sábado, 24 de novembro de 2012

Projeto Filosófico-Teológico: Os Livros que Concebi, mas não Imaginei

Há tempos, venho pensando sobre alguns projetos em Filosofia e Teologia nos quais pretendo trabalhar. Tenho pretensões de escrever livros sobre os assuntos que destrincharei na postagem de hoje. O subtítulo "Os Livros que Concebi, mas não Imaginei" faz referência à diferenciação entre imaginação e concepção, presente na Lógica da Imaginação desenvolvida pelo professor Alexandre Costa Leite, no texto "Logical Properties of Imagination", que me orientou numa iniciação científica e na minha monografia de conclusão de curso. O referido professor, no seu sistema, mostra que tudo o que se imagina é concebido, mas nem tudo que se concebe pode-se imaginar. Fazendo uso de um exemplo famoso cartesiano presente no texto do meu orientador, podemos imaginar um triângulo, na medida em que temos uma imagem mental dele, mas não conseguimos, por exemplo, imaginar um quiliógono — um polígono regular de mil lados —, pois não conseguiríamos ter a certeza de que o objeto que imaginamos tem, de fato, mil lados, mas conseguimos entender a idéia e trabalhar com ela. Fiz uma alusão a essa distinção no meu subtítulo, mas, obviamente, não falo em sentido literal: de fato, não há limitações, ao menos para pessoas sem algum tipo de limitação psicológica, para ter-se a imagem mental de um livro. O que quis dizer é que eu concebi os livros, na medida em que pensei sobre eles, mas que ainda não tenho sequer uma linha escrita, o que seria a parte imagética em questão, embora tenha muitos esboços. Na postagem de hoje, listarei alguns desses projetos, dando algumas explicações.

1. Os Cinco Pontos do Calvinismo e Suas Possibilidades Lógicas 
Parei para pensar, um dia, sobre quais seriam as possibilidades de posturas com relação ao Calvinismo. Na verdade, os remonstrantes propuseram os seus cinco artigos da remonstrância antes dos calvinistas apresentarem os seus cinco pontos, mas a história acabou dando maior visibilidade aos calvinistas; por isso, optei por citar os cinco pontos do Calvinismo no título — por uma questão de marketing — em vez de mencionar os artigos da Remonstrância, com os quais concordo. Na verdade, o próprio Calvino não seria um calvinista, a partir dos cinco pontos do Calvinismo, e nem Armínio seria arminiano, a partir dos cinco pontos da Remonstrância.

Num primeiro momento, pensei que haveria 32 possibilidades, admitindo-se que se possa negar ou afirmar cada um dos pontos; num segundo momento, lembrando-me de que Armínio não tinha uma posição definida no que se refere à perseverança dos santos, aumentei minha contagem para 243 sistemas, pois seria possível não apenas a afirmação ou negação de cada um dos pontos, mas uma posição de dúvida e ceticismo. Por último, lembrando-me das quatro possibilidades de oposição, já presentes no pensamento de Aristóteles — contrariedade, subcontrariedade, subalternação e contraditoriedade — aumentei a quantidade de sistemas possíveis para 7776. O meu objetivo com esse livro é abordar todas essas possibilidades. Pretendo rastrear no decorrer da história quais dessas possibilidades foram defendidas por correntes cristãs diversas e receberam, portanto, um nome. Faço, por exemplo, uma diferenciação entre Arminianismo e Remonstrantismo. Dentro dessa diferenciação, eu não seria um arminiano. Seria, na verdade, um trabalho hercúleo falar sobre todos os 7776 sistemas, mas já pensei em uma maneira sistemática de falar sobre todos eles sem os abordar nos seus pormenores. Não darei maiores explicações para deixá-los curiosos.

2. Ética Cristã Sistematizada
Tenho, ultimamente, refletido muito sobre a Ética e isso é resultado de discussões que tenho tido com o professor Julio Cabrera sobre a sua "Ética Negativa". Não é segredo que o meu sistema ético é o cristão. Contrariando o que muitos costumam pensar, o Cristianismo não é constituído por uma lista de normas que devem ser cumpridas ou descumpridas. O que a Bíblia, por exemplo, dá ao cristão são diretrizes gerais para que possamos, por meio do enchimento do Espírito Santo, ter discernimento quando tivermos de agir. Essas diretrizes, entretanto, estão espalhadas ao longo do texto das Escrituras. O meu objetivo, nesse texto, é tratar a Ética Cristã, a partir do texto bíblico, numa abordagem sistemática e lógica. No mesmo texto, incluirei um capítulo intitulado "O Fundamento Único e Necessário da Ética", no qual mostrarei que sistema éticos só podem ser fundamentos numa base religiosa, especificamente aquela que inclua um ser que tenha certas características ou certos atributos. Desde que comecei a refletir de maneira mais detida sobre a Ética, tenho percebido que ela é uma ótima maneira de argumentar apologeticamente, principalmente em uma sociedade tão politicamente correta como a nossa.

3. O Relativismo Lógico
No meu curso de "Lógica 1", vários foram os impactos que tive sobre o que pensava até então. Um desses impactos foi tomar conhecimento de que existia uma infinidade de sistemas lógicos e que a toda teoria havia um sistema lógico subjacente. Newton da Costa e Michael Dummett falam sobre o que da Costa chama de "Problema da Dedução". Esse problema não coincide com o que chamo de "Relativismo Lógico" porque trata apenas do problema de justificar-se por que se escolhe um determinado sistema numa teoria. O Relativismo Lógico, entretanto, trata do problema de que, aparentemente, qualquer discurso defendido pode ter a sua contraparte contraditória igualmente defendida em outros contextos, dada a aparente falta de privilégio de algum sistema em particular. Há, ainda, uma problemática no que se refere à noção de necessidade e possibilidade lógicas, pois o que pode ser possível ou necessário num dado sistema pode não o ser em outro. O Relativismo Lógico coloca todo o empreendimento do conhecimento numa situação desconfortável. Pretendo, ao longo do texto, mostrar como várias teses filosóficas no decorrer da história são completamente refutadas quando se tem em mente esse relativismo que surgiu por conta dos desenvolvimentos técnicos do século XX. Na minha monografia, intitulada "Investigações Epistemológicas:  Combinando Demonstrabilidade e Conhecimento", se não me engano, numa nota de rodapé, falo de uma possível saída ao Relativismo Lógico.

4. Teoria dos Pragma
A Lógica Formal preocupou-se, no decorrer do seu desenvolvimento, principalmente, com deduções, nos seus aspectos sintáticos e semânticos. A Filosofia Analítica chegou a conhecer duas vertentes que se dividiam entre formalistas e adeptos da linguagem natural. Essa divisão hoje não faz muito sentido e cada vez mais essas vertentes têm se aproximado. Um dos desenvolvimentos mais interessantes foi aquele referente aos aspectos pragmáticos da linguagem. A Lógica Formal, entretanto, ainda não os absorveu, de maneira que ainda se fala apenas em relações de conseqüência sintáticas e semânticas. As teorias matemáticas conhecidas como Teoria da Prova e Teoria dos Modelos dão conta dessas relações, de maneira que há, hoje, um nível impressionante de sofisticação. A minha proposta é construir uma teoria matemática a partir do que chamo de "relações de conseqüência pragmáticas". Ainda não sei direito como fazer isso e terei de estudar muita Teoria da Prova e, principalmente, muita Teoria dos Modelos. Existem teorias na Lingüística, como o que é conhecido por "Pragmática Formal", que, como diz o nome, buscam dar conta da Pragmática de maneira formal. Não tenho muito conhecimento dessas teorias. Esse livro será, muito provavelmente, aquele que me dará mais trabalho, se é que o projeto é possível.

5. Cartas Autobiográficas
A ordem dos livros que pretendo escrever está aleatória. Fui listando na medida em que me lembrava deles. Se fosse para respeitar uma ordem cronológica no que tange às suas concepções, as "Cartas" deveriam ocupar a primeira posição, uma vez que as concebi há muitos anos. Confesso que ainda não tenho uma postura definida quando se fala sobre a relação da vida pessoal dos filósofos com a sua obra. Há muita discussão sobre o assunto: alguns dizem que é essencial conhecer a vida de quem escreve, enquanto há quem defenda que os detalhes pessoais podem ser ignorados. A despeito desse debate, essas cartas serão desabafos. Sempre me senti íntimo da escrita e creio que me abrir por meio da escrita serve até como método para canalizar os sentimentos que tenho de inibir para viver em sociedade. A minha grande dúvida com relação ao que escreverei é se devo fazer uso das conhecidas peneiras de Sócrates, regulando a minha fala pelos critérios da verdade, da bondade e da necessidade. Confesso que os últimos dois critérios serão difíceis de serem seguidos por mim. A minha tendência é a de ignorá-los e terei de justificar-me ao tomar essa postura. Confesso que tenho pensado em vários modos de justificar esse empreendimento, mas, também, confesso que ele dar-se-á mais por necessidades existenciais do que intelectuais. Quando descobri que Julien Green escreveu, dos 26 anos aos 96, 17 volumes de um diário, empolguei-me para tentar fazer o mesmo, se é que terei muitos anos pela frente.

6. Nietzsche Cristianizado
Li o meu primeiro livro de Nietzsche com 18 anos no meu terceiro ano do Ensino Médio. Gostei muito na época e, aos 19, apropriei-me da Ética nietzschiana. Depois da minha conversão em 2009, com 23 anos de idade, vi que teria de livrar-me de todo aquele pensamento do qual havia me impregnado. Refletindo sobre o assunto, percebi que Nietzsche pode ser adaptado para o Cristianismo. O professor Olavo de Carvalho, num dos seus programas TrueOutspeak, mencionou que Eugen Fink tentou sistematizar Nietzsche e acabou encontrando muitos sistemas possíveis. Seria problemático, portanto, afirmar, nesse sentido, que Niettzsche poderia ser cristianizado, uma vez que não há somente um Nietzsche a ser cooptado. Na verdade, só pensei em escrever um livro sobre esse assunto após algumas discussões, mas confesso que, dentre os textos que listo aqui, esse é o projeto pelo qual menos me interesso.

7. Uma Defesa da Norma Culta
Não é segredo para ninguém que sou um ferrenho defensor da norma culta da nossa Língua e que tenho posições muito puristas. Embora, no meio acadêmico, o preconceito lingüístico (Vocês não sabem a raiva que sinto quando o corretor ortográfico indica que o uso que faço do trema está incorreto!) seja um lugar-comum, tenho me sentido mais tranqüilizado quando vejo, pelo menos nos meios que freqüento, que as pessoas parecem ainda dar certa importância ao seguimento da variação culta da nossa Língua, embora essa importância, na maior parte das vezes, não tenha reflexo nas suas falas. Há tempos, pensei em escrever uma "Gramática Lógica da Língua Portuguesa", que seria normativa e não descritiva, com auxílio da minha namorada Danielle, que cursa Letras e teria mais conhecimento técnico que eu, mas tenho pensado melhor sobre esse outro projeto. Enfim, o que mais percebo entre os detratores da norma culta é que eles entendem absolutamente nada de Lógica e esse conhecimento é crucial para entender a sua importância. Nesse texto, pretendo dar muitos argumentos para defender a Norma Culta, dialogando com os textos que procuram relativizá-la.

8. Trilogia Paulina
Não tenho lembrança precisa de quando tive a idéia de escrever essa trilogia, mas me lembro de que li em algum livro que o tripé que Paulo indica na sua carta aos Coríntios é de suma importância. Pensei, então, que a fé, a esperança e o amor podem nortear todo o pensamento cristão. Pretendo, portanto, em três volumes — um dedicado ao amor, outro à esperança e outro à fé — tratar desses temas. O primeiro volume que pretendo escrever é aquele dedicado ao amor. A minha intenção é ler a Bíblia três vezes, com cada vez tendo por chave de leitura um dos temas. Farei, ainda, um diálogo com a tradição filosófica e científica. Lidarei com algumas questões específicas, como o casamento. Tenho muitas discussões com o já mencionado professor Julio Cabrera sobre o assunto e, além do mais, tenho uma visão muito particular sobre o casamento cristão, que pretendo fundamentar na trilogia. Creio que a nossa vida prática está intrinsecamente relacionada com o arcabouço teórico que temos. Muitas atitudes que julgo inadequadas entre os cristãos, creio eu, são conseqüência de uma falha de compreensão desse tripé mencionado por Paulo, embora não compartilhe da ingenuidade socrático-platônica de que as pessoas agem de maneira errada por não terem conhecimento do que é correto.

9. Física Política 
No ano passado, fiz um curso de Tópicos em Filosofia da Religião no qual estudamos Teologia Política. No contexto do curso, o professor Hubert Jean-François Cormier apresentou-me o texto "A Física da Política — Hobbes contra Aristóteles", da professora na Unicamp Yara Frateschi. Como trabalho final da disciplina, escrevi um texto intitulado "A Física Política de Hobbes — A Influência dos Conceitos Físicos no Leviatã", no qual mostrei como a Física desenvolvida por Hobbes — para quem não sabe, Hobbes criou uma física própria — tem influência direta sobre a sua construção em Política. Percebi, então, que havia um novo filão de estudos e comecei a perceber como praticamente todos os filósofos da modernidade, de maneira explícita, tinham essa relação e, em pesquisa conjunta com o professor Jean, voltei-me para a Antigüidade para estudar como essa relação deu-se no decorrer da história. Infelizmente, as minhas pesquisas com o professor Jean tiveram um interregno porque estava sem tempo para as leituras e pesquisas. Percebi, no decorrer da pesquisa, que a Física Política constitui, ainda, um método hermenêutico. Escrevi um texto chamado "Três modos de Física Política: Relações Possíveis entre duas Esferas" no qual falo de "Esferas dependentes", "Esferas independentes" e "Esferas singulares", falando sobre como a Física e a Política podem relacionar-se. O meu projeto com o professor Jean era o de escrevermos livros abordando o assunto em ordem cronológica. Teríamos, portanto, volumes lidando com o assunto na Antigüidade, na Modernidade, no período Moderno, assim como na contemporaneidade. Folheando, ontem, o último exemplar da Scientific American, vi uma matéria sobre a relação entre a Física Quântica e sistemas políticos muito interessante. Confesso, entretanto, que para lidar com o assunto na contemporaneidade, teria de voltar a estudar Física por conta própria, uma vez que ignoro completamente muitas teorias desenvolvidas no século XX, como, por exemplo, a Cromodinâmica Quântica.

10. Os Atributos Divinos: Uma Análise Teo-Lógica
Depois que li um argumento do William Lane Craig que mostrava por que Deus tem de ser onisciente, comecei a pensar se é possível argumentar, sem apelo à revelação, sobre todos os atributos divinos previstos nas Escrituras ou até mesmo argumentar sobre outros que não estejam explicitados nelas. Na minha monografia, que já mencionei, dou uma explicação do meu projeto de construção de um sistema filosófico. Pretendo construir um sistema filosófico em termos restritos e gerais — tendo em vista a terminologia que se costuma utilizar para referir-se à Relatividade de Einstein. O meu sistema restrito não fará nunca uso do que os teólogos costumam chamar de "Revelação Especial", o que abrange, grosso modo, Cristo e as Escrituras, enquanto o meu sistema geral procurará abarcar a Revelação Especial e a Revelação Geral, que se refere, de maneira resumida, à criação divina. Talvez, no escopo desse livro, eu faça essa divisão ou escreva dois tomos para lidar com essa divisão que criei no meu projeto.

11. A Cerca da Minha Conversão
Desde que me converti, as pessoas ficaram muito interessadas sobre como se deu a minha conversão. Inicialmente, comecei a escrever um texto para postar neste blog com o título desse livro e, talvez, ainda o faça; entretanto, percebi que seria mais produtivo escrever algo mais longo. Agostinho e Rousseau escreveram as suas "Confissões". Esse livro seria na linha dessas confissões. Uma explicação resumida para o título é que vejo a minha conversão como uma espécie de cerca que ao mesmo tempo limita e liberta, mas a explicação pormenorizada da metáfora ficará para o livro.

12. Epistemologia Edênica
Nesse livro, pretendo discutir de maneira lógica como se dava o conhecimento no período edênico, aquele anterior ao advento do pecado original. Pretendo usar um sistema combinado de sistemas epistêmicos e aléticos para modelar várias teses, especialmente aquela agostiniana sobre quatro estágios epistemológicos no decorrer da história da humanidade. Interessa-me muito, também, compreender melhor o que significava não ter conhecimento do bem e do mal. Do ponto de vista semântico, satisfazer uma conjunção significa satisfazer os dois termos envolvidos por ela. Se Deus é a bondade, se a bondade é imanente a Deus, como é possível que Adão e Eva não tivessem conhecimento do bem e do mal?

13. Cristianismo Nadegalista
Por falta de um nome melhor, chamei de "nadegalista" a um conjunto de desvios do Cristianismo autêntico. Quanto mais eu estudo, mais eu modifico a minha definição de Cristianismo Nadegalista. Para citar um exemplo, tenho refletido muito sobre o pacifismo cristão e o meu entendimento sobre o assunto será crucial para escrever esse livro. Os cristãos de hoje tem se deixado influenciar pelo politicamente correto. O que será que estes pensariam de Cristo entrando num templo e derrubando as barracas de quem fazia comércio com um chicote nas mãos? Mostrarei os perigos que a cultura pós-moderna oferece a um cristianismo autêntico.

14. A Ética do Cotidiano: As imoralidades nossas de cada dia
Esse será um livro de ensaios sobre circunstâncias do cotidiano nas quais costumamos ignorar a ética. Abordarei diversas situações como aquelas que vivenciamos nos shoppings (Na minha época nacionalista e antiestadunidense, usava a expressão "Centro de Entretenimento e Lazer" para preterir estrangeirismos como esse), estacionando os nossos carros, enfrentando filas para comer ou escolhendo os lugares onde sentaremos. O estopim para eu ter a idéia desse livro foi quando, numa das apresentações do coro do qual participo, quando estávamos entregando as becas, havendo uma fila, um dos coristas pediu para outra pessoa entregar a sua beca. Pensei, então, sobre se essa atitude seria ou não imoral e o que deveria ser levado em conta. O livro discorrerá sobre situações como essa.

15. Uma Filosofia do Estar
Na minha monografia, eu mostro quais são as condições necessárias para conferir-se valores de verdade a expressão do indicativo na Língua Portuguesa. Creio que os filósofos, no decorrer da história, sempre supuseram que a Língua que eles utilizam para filosofar não é grande empecilho para a atividade filosófica. O  ceticismo com relação ao aparato mental do ser humano foi muito maior do que aquele com relação à linguagem, embora alguns filósofos e escolas filosóficas tenham desconfiado da linguagem, desconheço qualquer desenvolvimento semelhante àquele que promovi na minha monografia. Heidegger destacava o papel do Grego e do Alemão para a Filosofia; entretanto, nenhuma dessas Línguas faz a diferença fundamental entre ser e estar. O ser tem ganhado muito destaque nos empreendimentos filosóficos, enquanto o estar recebeu pouca atenção. Pretendo construir uma filosofia do estar, aproveitando a diferenciação explícita que é feita na Língua Portuguesa. Numa nota de rodapé da minha monografia, comento o seguinte: "A Língua Inglesa, que é a principal Língua utilizada no meio acadêmico, não faz, igualmente, tal distinção. A famosa frase shakesperiana — em seu texto "Hamlet" — To be, or not to be, that is the question teria quatro possibilidades interpretativas se fosse traduzida para o Português: 'ser ou não ser' — modo mais freqüente nas traduções —, 'estar ou não estar', 'ser ou não estar' ou ainda 'estar ou não ser'. O papel da disjunção na frase, assim como o entendimento do que se entende por 'ser' e por 'estar' poderia trazer luz ao texto de Shakespeare.". Farei uma abordagem filosófica dessas possibilidades em um dos capítulos do livro.


terça-feira, 13 de novembro de 2012

A Inevitabilidade da Mediocridade e a "Síndrome de Gabriela" (Reflexões Acerca dos meus 27 Anos)

Dizem que existem crises durante as diversas fases cronológicas da nossa existência: "crise dos trinta", "crise dos quarenta" e daí em diante. A sociedade ocidental criou certo fetiche por números redondos do qual não compartilho. Passo pela crise dos vinte e sete — um professor meu disse, certa feita, que existencialistas não  passam por essas crises específicas porque viver já é uma crise, sendo elas um privilégio de analíticos. Confesso que tenho crises desde a mais tenra infância; portanto, nesse sentido, sou um existencialista.

Sempre me senti atrasado com relação aos outros: primeiramente, nasci no segundo semestre do ano e aqueles que nasceram nesse período sabem do sentimento de atraso com relação àqueles colegas da escola que aniversariam no primeiro semestre. Sempre figurava entre os mais velhos da sala. A situação deteriorou-se depois que reprovei o meu primeiro ano do Ensino Médio — não foram raras as situações nas quais me sentia deslocado ao observar certos comportamentos infantis dos meus colegas. Tirei minha carteira de motorista aos 19 anos por conta de um castigo imposto pelos meus pais devido à referida reprovação; ingressei na universidade, ainda por conta da minha reprovação, tardiamente, embora tenha passado direto pelo PAS e nunca tenha feito cursinhos, e, se tudo der certo, concluirei a minha primeira graduação oficial, de maneira tardia novamente, aos 27 anos. 

Desde que tomei conhecimento, ainda na minha adolescência, do conhecido annus mirabilis — ano miraculoso — de Einstein, no qual ele publicou uma série de quatro artigos fundamentais na Física aos 26 anos, tomei essa idade como uma idade limite na minha vida. Pretendia fazer algo relevante até os 26 anos. Pesava o fato de sempre ter lido em livros e textos de divulgação que o período médio de fertilidade de físicos e matemáticos durava até os trinta anos. Se, portanto, não tivesse feito nada relevante até os 30, não seria depois que faria algo importante. Bem, tomei consciência do projeto intelectual que tinha pela frente aos 14 anos, em 2001, ano da minha reprovação. Nunca consegui aprender, paradoxalmente para alguns, tanto quanto naquele ano. Nos anos seguintes, durante o meu Ensino Médio, trabalhei arduamente em problemas matemáticos sem me dar ao trabalho de aprender primeiro a literatura disponível. Tive, por diversas vezes, a frustração de acreditar que tinha criado algo genial, mas, quando mostrava meu resultado para meu professor de Matemática, descobria que algum gênio do século XVII, como um Leibniz, tinha descoberto há muitos anos aquilo que eu acreditava ser relevante. Resolvi, depois de uma série de fracassos, aprender, primeiramente, tudo o que pudesse sobre o que já tinha sido desenvolvido. Outro momento de frustração foi quando, na faculdade, percebi duas coisas. A primeira é que não havia rigor na Física. O que eu aprendia nas disciplinas da Matemática era completamente negligenciado pelos meus professores e pelos livros. A segunda é que muitas das minhas perguntas aos professores ou não tinham resposta — eu recebia respostas do tipo: "Para responder isso, é preciso desenvolver uma teoria quântica da gravitação satisfatória" — ou demandavam conhecimentos de teorias que não aprenderia na graduação. Fiquei completamente desmotivado, pois teria de passar 4 anos naquela brincadeira sem poder estudar o que realmente me interessava. O que mais me motivou durante os meus anos na Física foi a minha iniciação científica. Estudei muito mais para ela, aprendendo Mecânica Quântica sozinho, sem ter terminado o meu curso de Cálculo, ouvindo do meu orientador a conclusão genial de que ele tinha percebido que eu estava tendo dificuldades com a teoria quântica, que eu só aprenderia oficialmente de maneira introdutória nos dois últimos semestres do curso.

Sempre fui um polímata e confirmei essa minha característica depois de conhecer Descartes. Enquanto meus colegas do colégio odiavam certos grupos de disciplinas, sentia-me interessado por tudo e isso dificultou muito a minha escolha de que área deveria abraçar profissionalmente. Escolhi a Física por três razões principais: poderia estudar Matemática e até obter o diploma da área de maneira simultânea, que era o que eu gostava mesmo, embora eu quisesse trabalhar com Física; havia um mercado de trabalho melhor do que as outras áreas que eu tinha mais afinidade, como, por exemplo, a Música, e, por último — a razão mais importante — era a área que mais me desafiava intelectualmente. Pensava, na época, que encontraria pessoas geniais no curso de Física. Sempre fugi da mediocridade, mas, para a minha infelicidade, sempre estive cercado dela — incluindo a própria mediocridade presente em mim mesmo. Outra decepção no curso foi perceber que havia pessoas abaixo do nível da mediocridade: geralmente, quem tinha ido pra Física era quem não tinha capacidade para passar nos cursos de Engenharia. O curso de Física, então, era visto como uma espécie de cursinho pragmático, que abarcava o status de dizer-se que se é um aluno da UnB — o que hoje está completamente banalizado. 

Quando li que Einstein passou os últimos trinta anos da sua vida trabalhando na unificação da Física, que esse problema ainda estava em aberto, e quando li, em alguns artigos, que, talvez, seria necessário desenvolver uma nova matemática para solucionar essa questão, decidi que iria tentar embrenhar-me nela. Ainda no meu Ensino Médio, eu trabalhei, sem o saber, no problema matemático da Hipótese de Riemann, usando ferramentas muito primitivas. Quando tomei conhecimento das proporções daquilo, o que inclui o fato de que aquele problema era um dos sete problemas do Milênio — hoje, são seis —, desisti de pensar nos Primos. Não sei a partir de quando, exatamente, comecei a desinteressar-me por essas questões  propriamente físicas e matemáticas e comecei a pensar no âmbito metadiscursivo, que considero que seja um critério para identificar-se pensamentos filosóficos. Na verdade, desde o meu Ensino Médio eu sabia que teria mais facilidade em enveredar-me pela Filosofia, no sentido de tentar dar alguma contribuição; contudo, a área nunca me ofereceu grandes desafios intelectuais ou ginásticas mentais.

Um dos problemas do polimatismo é que não vivemos mais na Antigüidade ou no período Moderno, quando se podia dominar, de certa maneira, facilmente, outros campos do conhecimento. Hoje, o conhecimento é tão amplo e tão especializado que é praticamente impossível versar-se em todas as áreas. Confesso que isso gera muita indecisão na minha vida. Explico-me. Não demorei muito para perceber que o campo da argumentação é dominado por poucos. Já na época da Física, quando estudei Números Hipercomplexos, percebi que quase ninguém na Física tinha ouvido falar de Quatérnios, Octônios ou Sedênios. Tirando o meu orientador, ninguém sabia do que eu estava falando. Aquilo me causou um impacto profundo. Eu poderia desenvolver resultados impressionantes, mas poderia ocorrer de ninguém, ou quase ninguém, entender do que eu estava falando. A Música pareceu-me ser uma área que poderia salvar-me. Construir harmonias e melodias — componho desde 2001 — seria uma maneira mais fácil, embora mais enigmática e obscura, de passar a mensagem que gostaria de passar. Crio, há tempos, sinfonias inteiras mentalmente, mas não tenho o treinamento técnico para pôr tudo no papel. Já pensei em capacitar-me; entretanto, percebi que o sentimento estético não é algo uniforme e que, principalmente entre os brasileiros, ele costuma ser extremamente deficitário. Constatações práticas fizeram-me perceber que as pessoas, em geral, não estão interessadas em aprender, em descobrir a verdade — na verdade, muitos crêem que não há algo que se possa chamar de "verdade" —, mas em afagar o seu próprio ego. 

Tive, e estou tendo, uma série de reflexões que tem me levado questionar-me sobre se devo comunicar-me com os outros — admito que tenho a tendência, como Nietzsche, de acreditar que nasci póstumo e que, talvez, meus leitores ainda não tenham nascido ou, provavelmente, nunca venham a nascer. Já pensei na possibilidade de escrever e disponibilizar apenas postumamente os possíveis resultados que venha a obter, além daqueles modestos que creio ter obtido até hoje. Essas reflexões têm gerado em mim um questionamento sobre a necessidade que temos de sermos reconhecidos. O filósofo Olavo de Carvalho disse, certa feita, que ele, numa conversa com Deus, pediu a Ele que pudesse conhecer a verdade e que se ele tivesse a oportunidade de transmitir aos outros o que ele descobrisse isso seria o de menos. Confesso que tenho dificuldades em ter essa mesma postura. Disse, anteriormente, que as pessoas precisam ter seus egos afagados, mas me questiono sobre se tenho, realmente, buscado a verdade ou se apenas quero ser aplaudido e reconhecido — o que acho que nunca terei por essas bandas, escrevendo na Língua de Camões. A minha aparente fuga da mediocridade, na verdade, acaba imergindo-me nela, igualando-me àqueles que precisam ser bajulados. O mesmo Olavo de Carvalho disse, em certa ocasião, que começou a publicar os seus livros tardiamente somente após poder ter se olhado no espelho e poder ter dito a si mesmo que não havia mais nada a esconder de si mesmo. A empreitada filosófica, no meu entender, iniciada de maneira mais enfática e contundente por Sócrates, teve por mote o autoconhecimento: como diria o filósofo, "Conhece-te a ti mesmo". Temo que os meus 26, agora 27, anos não tenham sido suficientes para que eu possa ter a mesma atitude diante de um espelho.

Diante dessa absorção inevitável da mediocridade, vejo-me diante do que um colega meu disse-me recentemente sobre a "Síndrome de Gabriela" — lembrem-se do saudoso Dorival Caymmi: "Eu nasci assim, eu cresci assim, eu sou mesmo assim, vou ser sempre assim: Gabriela, sempre Gabriela.". Nunca fui uma pessoa conformada. Meu pensamento nunca foi estanque. Minha mãe sempre se incomodou com essa característica minha. Já que estamos no âmbito musical, eu diria que "Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo". Não vejo mérito nenhum em pensar-se exatamente da mesma maneira durante a vida inteira. Fui criticado por alguém, um dia desses, que dizia que, anos atrás, era um antirreligioso ferrenho, mas hoje sou um "fanático fundamentalista". Aqueles que são mais íntimos a mim sabem que nunca tive problemas em admitir meus erros, em desculpar-me por eles — acho desonesto guardar a admissão do erro para si mesmo sem o tornar público —, mudando de posicionamento quando convencido. Acho no mínimo curioso, para não dizer que seja um caso de demência, quando as pessoas, orgulhosamente, dizem que são como são porque assim sempre foram e que, por isso, assim sempre serão. 

Citando novamente Nietzsche, o que pode parecer estranho por eu ser cristão — concebi, há tempos, por incrível que pareça, numa conciliação entre o pensamento de Nietzsche e o Cristianismo, mas isso é assunto para um livro —, prefiro acreditar que "o meu hoje contradiz o meu ontem". Se eu não for uma pessoa amanhã diferente do que sou hoje, alguém melhor de preferência, não vejo, sinceramente, por que permanecer vivo. Sempre admirei a reverência que os orientais têm pelos mais velhos; contudo, creio que a reverência é acompanhada pela detecção de sabedoria. Na nossa cultura ocidental, entretanto, vejo cada vez mais que as pessoas parecem emburrecer com o passar dos anos, a despeito do emburrecimento generalizado da sociedade brasileira, em vez de adquirir sabedoria e aprimorarem-se intelectualmente. Recentemente, tenho visto tantos casos de pessoas que deveriam ser maduras por conta da sua idade cometendo erros inacreditáveis que confesso que tenho as minhas dúvidas sobre se o tempo pode ser uma variável que favoreça o crescimento das pessoas. Não duvido que seja um fator que, talvez, atrapalhe.

Em alguns anos anteriores, pedi a alguns familiares e amigos que enumerassem qualidades e defeitos em mim para que eu pudesse ter uma visão de mim mesmo que fosse mais compatível com aquilo que realmente sou, mas tenho me convencido — por conta de questões técnicas inclusive, como o conceito filosófico sobre atitudes proposicionais — de que a única pessoa capaz de ter uma visão mais realista de mim mesmo que não seja eu é Deus, uma vez que “Deus é aquele que em mim é mais eu do que eu mesmo, ou seja, é minha verdadeira consistência e a minha verdadeira natureza, a minha verdadeira origem, que subsiste dentro de mim, permanece dentro de mim como um mistério”, como diria Claudel. 

Há tempos, concebi escrever o que chamei de "Cartas Autobiográficas". Depois que descobri que Julien Green escreveu os seus diários, em 17 volumes, entre seus 26 e 96 anos — com relação ao Green, estaria, portanto, defasado em um ano — tomei a decisão de, realmente, implementar aquilo que já tinha concebido há tempos. Digo isso porque a postagem de hoje tem perfil autobiográfico, mas não pretendo ser, de maneira alguma ser exaustivo, até porque seria impossível sê-lo.

Termino, então, dizendo que a minha luta contra a mediocridade durante os meus vinte e sete anos de vida, por vezes, parece tragar-me mais ainda para ela. Fiz muito pouco durante esses anos. Tenho me preparado para tentar compensar os anos que perdi, gastando tempo com o que não vale a pena. Se morresse hoje, deixaria algumas dezenas de canções, que, sinceramente, embora algumas tenham um toque de vislumbre de genialidade musical ou poética, são bem simplórias; alguns poemas e contos de qualidade pior ainda e, finalmente, o meu texto de monografia, com muitas idéias originais e interessantes, que é o que considero que fiz de melhor até hoje, mas cujas idéias desenvolvi muito pouco. Sempre pensei nessa perspectiva de importância, mas tenho chegado à conclusão de que, mais do que deixar algum tipo de patrimônio precioso para os outros, devo buscar de modo verdadeiramente sincero aprimorar-me. Estou cada vez mais convencido de que nós mesmos já somos trabalho demais para nós mesmos e, enquanto cristão, concordo com o Evangelho de Mateus: "Vós sois a luz do mundo; não se pode esconder uma cidade edificada sobre um monte" (Mateus 5:14). O meu erro nesses vinte e sete anos talvez tenha sido procurar ser mais parecido com Einstein do que com Cristo, até porque apenas me converti em 2009. O único tipo de reconhecimento com o qual deveria preocupar-me é o de ser reconhecido como luz, mas não uma luz que emana de mim mesmo, mas como um espelho que reflete a luz emitida pelo Espírito Santo que habita em mim. Olhar no espelho e ver que nada escondo de mim mesmo será ver através da minha alma a presença divina na qual vivo, movo-me e existo (Atos 17.28) .

sábado, 28 de abril de 2012

Fé e razão geram inconsistências?


Um colega meu — Rodrigo Cid — indicou-me um jogo pelo Facebook que achei muito interessante ( http://www.philosophersnet.com/games/god.php ). O jogo tem por objetivo verificar em que medida o pensamento religioso das pessoas é consistente, ou seja, não leva a contradições, tendo-se por base a racionalidade. O site, originalmente, está na Língua Inglesa — num Inglês horrível por sinal. Fiz a tradução para postar aqui. Em azul escuro, vocês encontrarão os trechos traduzidos por mim. As minhas respostas às perguntas estarão na cor vermelha. Farei alguns comentários.

Deus no campo de batalha

As suas crenças sobre a religião podem ir de encontro ao campo intelectual? Nesta atividade, você responderá uma série de 17 perguntas sobre Deus e religião. Em cada caso, partindo da questão 1, você precisa responder Verdadeiro ou Falso. O intuito desta atividade não é julgar se as respostas são corretas ou não. O que se encontra no campo de batalha é a consistência da racionalidade. Isso significa que, para atravessá-lo sem lesões, você precisará responder de maneira que seja racionalmente consistente. Isso quer dizer que você precisa evitar escolher respostas que sejam mutuamente contraditórias. Se você responder de uma maneira que seja racionalmente consistente, mas que tenha implicações estranhas ou intragáveis, você será forçado a tomar um tiro.

É claro que você pode concordar com pensadores como, por exemplo, Kierkegaard, acreditando que a crença religiosa não precisa ser racionalmente consistente. Isso, entretanto, está além do escopo desta atividade, que se trata sobre que medida as suas crenças são racionalmente consistentes, e não se isso é algo bom ou ruim.

Kierkegaard cria que a fé começa onde termina a razão. Discordo dele. Quanto à relação entre a fé e a razão [1], existem cinco possibilidades:

( i ) Tudo que é conhecido pela fé também é conhecido pela razão, mas nem tudo que é conhecido pela razão é conhecido pela fé; logo, a fé é uma subdivisão da razão (Racionalismo);
( ii ) Tudo que é conhecido pela razão também é conhecido pela fé, mas nem tudo que é conhecido pela fé é conhecido pela razão; logo, a razão é uma subdivisão da fé (Fideísmo);

( iii ) Tudo que é conhecido pela fé é conhecido também pela razão, e vice-versa; logo, fé e razão são intercambiáveis;

( iv ) Nada que é conhecido pela fé é conhecido pela razão, e vice-versa; logo, fé e razão são mutuamente excludentes (Dualismo);

( v ) Algumas coisas, mas nem todas, que podem ser conhecidas pela fé também são conhecidas pela razão, e vice-versa; logo, fé e razão se interceptam parcialmente (Superposição Parcial);

Eu sou adepto da última opção — a superposição parcial. Kierkegaard era um dualista.
Questão 1
Deus existe.
Verdadeiro/Falso/Não sei

Questão 2
Se Deus não existe, então, não há base para a moralidade.
Verdadeiro/ Falso

Nunca pensei que a ética fosse ser um assunto sobre o qual me preocuparia: primeiramente, sempre fui um teórico. Na Física e na Matemática, sempre me interessei por assuntos abstratos. Nunca tive muito interesse na área aplicada e coisa parecido ocorreu na Filosofia; contudo, tenho percebido, ultimamente, que a Ética é um excelente campo para debater a questão da existência de Deus. Estou concebendo uma obra que se chamará O fundamento único e necessário da Ética no qual buscarei mostrar de maneira definitiva que apenas o Deus cristão fundamenta a Ética de maneira satisfatória.

Questão 3
Qualquer ser que possa ser corretamente chamado de Deus deve ser livre para fazer qualquer coisa
Verdadeiro/Falso

As pessoas podem estranhar a minha resposta aqui. São famosos os chamados "Paradoxos da Onipotência". Uma maneira bastante conhecida de apresentar esse paradoxo é a seguinte: Deus pode criar uma pedra que ele não possa levantar? Se a resposta é afirmativa, Deus não poderá ser onipotente, pois não poderá levantar essa pedra; se a resposta for negativa, Deus, igualmente, não poderá ser onipotente, pois haverá ao menos uma coisa que ele não tem poder para fazer: criar uma pedra que não possa levantar. Tomás de Aquino trata desse problema na questão 25 do Livro I da sua Suma Teológica [2]. Ele afirma que Deus pode fazer apenas o que é logicamente possível. Achava, até pouco tempo, a solução do Tomás de Aquino perfeita. Ele, contudo, não conhecia os desenvolvimentos, que só ocorreram no século XX, de novas lógicas, diferentes de clássica. Tomás de Aquino conhecia apenas a Lógica Aristotélica, que, hoje, é praticamente nada diante de todas as ferramentas que temos. Se Deus pode fazer apenas o que é logicamente possível, tudo bem, mas de que lógica estamos falando? A possibilidade lógica é definida em termos do sistema subjacente à análise que efetuamos para verificar o valor de verdade das proposições. Enfim, um bom exemplo, é que Deus não pode fazer alguém ser, simultaneamente, solteiro e casado ou coisas desse tipo. Deus, também, não pode agir de modo contraditório à sua natureza. Uma boa maneira de entender isso é pensando se Deus poderia agir de modo mal ou praticar o mal. Pensando de modo agostiniano [3], o mal não é uma substância, mas é o afastamento de Deus. Onde Deus não está, aí há o mal. Por definição, então, como o bem é imanado pelo próprio Deus, ele não pode fazer o que é mal, simplesmente, porque é uma contradição lógica que Deus esteja e não esteja, sob as mesmas circunstâncias, no mesmo lugar. Alguns, talvez, perguntarão como fica a onipresença divina. É bom lembrar que, como o mal não é uma substância, mas representa uma atitude de afastamento, não de Deus, de modo literal, mas um afastamento da sua vontade. Não há, portanto, problemas em admitir-se a concepção de mal agostiniana e a manutenção do atributo da onipresença divina.

Questão 4
Qualquer ser que possa ser corretamente chamado de Deus deve querer que exista tão pouco sofrimento no mundo quanto seja possível
Verdadeiro/Falso

É uma possibilidade lógica que haja um mundo sem sofrimento e este mundo, no qual há a menor quantidade possível de sofrimento, é um mundo no qual a quantidade de sofrimento é nula; contudo, é possível que Deus queira criar um mundo no qual haja sofrimento e que a quantidade não seja a mínima possível [4]. É totalmente compatível com a concepção cristã de Deus que Ele não queira que exista um mundo com a menor quantidade de sofrimento possível.

Questão 5
Qualquer ser que seja corretamente chamado de Deus deve ter o poder de fazer qualquer coisa.
Verdadeiro/Falso

Já discuti essa questão na Questão 3.

Questão 6
A teoria evolucionista talvez seja falsa no tocante a alguns detalhes, mas é essencialmente verdadeira.
Verdadeiro/Falso

As pessoas que me conhecem sabem que sou um evolucionista teísta; talvez, elas não entendam por que, então, marquei a opção "Falso" na questão acima. Explico-me. As pessoas têm uma grande dificuldade de entender o que é a ciência. As inferências científicas são inferências indutivas [5]. Para citar um exemplo de uma área que conheço bem, pensemos numa famosa lei da Física Clássica, em particular, a Lei da Gravitação Universal de Newton. Ela afirma que a força gravitacional é diretamente proporcional ao produto das massas e inversamente proporcional ao quadrado da distância entre elas. A Física faz experimentos e encontra equações que modelam determinadas situações; no nosso caso, falamos sobre uma relação matemática que modela a força gravitacional entre os corpos. A pergunta é a seguinte: a natureza sempre se comportou dessa maneira? Ela sempre se comportará seguindo essa lei? A resposta mais comum — digo "mais comum" porque existem alguns poucos físicos tentando lidar com "leis" que mudam com o tempo — é a de que o comportamento sempre foi o mesmo e sempre será o mesmo. A ciência supõe uma regularidade que, simplesmente, não pode ser provada. O lógico brasileiro Newton da Costa criou uma teoria da verdade chamada Teoria da Quase-Verdade, na qual ele busca mostrar que a ciência não lida com a verdade, mas com a quase-verdade. Essa característica da ciência que permite que ela seja revisável. Voltando à questão, a partir do caráter indutivo da ciência é plenamente possível que a teoria evolucionista seja falsa, assim como qualquer outra teoria científica; inclusive, Karl Popper fornece como critério para o reconhecimento de uma teoria científica que ela possa ser falseável. Será, portanto, sempre possível que uma teoria científica seja falsa por definição! Dizer que uma teoria científica é essencialmente verdadeira é dizer que ela é necessariamente verdadeira, ou seja, que não há um mundo possível acessível ao nosso no qual a teoria seja falsa.

Perigo! Sem ferimentos até agora, mas fique atento! Perigo à vista!

Questão 7
É justificável para basear as crenças de alguém sobre o mundo externo uma firme convicção interna, independentemente de evidências externas, ou na falta delas, para a verdade ou falsidade dessas convicções.
Verdadeiro/Falso

As pessoas têm a falsa idéia de que a religião ou a crença em Deus é apenas uma "firme convicção interna". No tocante à religião cristã, nada é mais falso. A Teologia cristã faz uma distinção entre "revelação geral" e revelação especial". A primeira trata da revelação dos atributos divinos na Sua criação e a última trata, grosso modo, da revelação que tivemos em Cristo e por meio das Escrituras. Essas duas revelações são externas. Atos 17.28 (estou sempre usando a tradução da NVI) diz: "Pois nEle vivemos, nos movemos e existimos". Não há a possibilidade de tratar Deus como um objeto externo apenas. Crer em Deus não é apenas ter uma crença sobre o mundo externo, mas é ter uma percepção de algo que não apenas é transcendente, mas, também é imanente; por definição, algo tem de imanar primeiramente para depois transcender. A crença em Deus não é baseada apenas numa firme concicção interna e crer que a mera crença de alguém é justificável por conta de suas convicções é negar o próprio Cristianismo, uma vez que uma das principais etapas do Cristianismo, que é a santificação, é, justamente, despirmo-nos de nós mesmos, o que inclui os nossos pensamentos e crenças, a fim de revestirmo-nos do Espírito Santo, portanto, das idéias e pensamentos divinos.

Chegou a hora de escolher!

Você está sob fogo cruzado!

Você não pensa que seja justificável basear a crença de alguém sobre o mundo externo numa firme convicção interna, sem alguma prestação de contas a evidências externas, ou na falta delas, para validar ou falsificas uma convicção. Na questão anterior, entretanto, você rejeitou a teoria evolucionista quando a vasta maioria dos cientistas pensa tanto que as evidências apontam para a sua veracidade quanto que não há evidência para falsificá-la. Obviamente, muitos criacionistas reivindicam que o fato de que haja evidências para a evolução não é conclusivo. Ao adotar essa postura, contudo, eles vão de encontro à ortodoxia científica. Você, portanto, tem de fazer uma escolha:

Ser atingido por uma bala e dizer que há evidência de que a evolução não é verdadeira, apesar do que os cientistas dizem;

Bater em retirada e dizer que essa é uma área na qual suas crenças apenas entram em contradição.

Opções:
Os cientistas estão errados. Irei ser atingido pela bala.

Minhas crenças estão em contradição. Baterei em retirada.

Em primeiro lugar, o texto apela para uma falácia ad populum e ad verecundiam: desde quando o fato de a vasta maioria dos cientistas pensar algo torna esse algo verdadeiro e desde quando o fato de um cientista dizer algo torna esse algo verdade? Em segundo lugar, eu mesmo disse anteriormente que eu sou um evolucionista teísta. Não recuso a teoria evolucionista e disse que a Questão 6 era falsa por motivos que nada têm a ver com a minha aceitação ou recusa da teoria. Como não entrei em contradição nenhuma, tive de escolher a opção "Os cientistas estão errado". É importante lembrar que há, novamente, outra falácia, que é aquela chamada de "falácia da bifurcação", na medida em que são oferecidas apenas duas opções, desconsiderando-se que existam outras possibilidades. De fato, as minhas crenças, até aqui, não entraram em contradição e eu, muito menos, acredito que os cientistas estejam errados hoje, mas apenas creio que há a possibilidade de que eles estejam errados. Para os afeitos à semântica dos mundos possíveis de Kripke, a avaliação do valor de verdade de proposições com modalidades é feita de acordo com os mundos acessíveis ao mundo atual. Pode ser o caso da situação do mundo atual nem ao menos ser considerada; em outras palavras, supor que os cientistas possam estar errados pode ser dito sem nenhum tipo de comprometimento com o fato de que os cientistas estejam errados ou não.

Questão 8
Qualquer ser que é corretamente chamado de Deus deve saber tudo o que há para ser conhecido.
Verdadeiro/Falso

Achei muito inteligente restringir a questão a "o que há para ser conhecido"; assim, evitou-se o problema dos futuros contingentes ou mesmo a questão que os adeptos do teísmo aberto colocam sobre o que é passível de ser conhecido.

Questão 9
Torturar pessoas inocentes é moralmente errado.
Verdadeiro/Falso 

A fonte da moral cristã é o próprio Deus. Digo isso porque se Deus mandasse expressamente que alguém torturasse um "inocente" — coloquei a palavra "inocente" entre aspas porque apenas Deus seria capaz de saber quem é inocente ou não. Digo "seria" porque, de acordo com o Cristianismo, não há inocentes: todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus (Romanos 3.23) — ele deveria ser torturado. Tentei pensar em algum texto que pudesse indicar que é moralmente errado torturar alguém. Veio à minha mente o texto de Lucas 6.31: "Como vocês querem que os outros lhes façam, façam também vocês a eles.". O problema surge se alguém for masoquista e gostar de ser torturado; enfim, como a questão não afirmou que seja SEMPRE moralmente errado torturar pessoas inocentes, não vi problemas em julgá-la como verdadeira.

Questão 10
Se, apesar de anos de tentativas, nenhuma evidência forte ou argumento foram apresentados para mostrar que não há um Monstro do Lago Ness, é racional crer que um monstro como esse não existe.
Verdadeiro/Falso

Quando vi essa questão, já previ um argumento que os ateus sempre gostam de dar sobre a questão do ônus da prova e sobre comparar a racionalidade do ateísmo com a racionalidade da não-crença em duendes, papai noel e afins. O William Lane Craig possui um ótimo texto sobre esse assunto [6].

Questão 11
Pessoas que morrem de forma horrível, por conta de doenças dolorosas, precisam morrer de tal maneira para que seja cumprido um propósito maior.
Verdadeiro/Falso

Supor que fatos do mundo ocorrem por conta do cumprimento de um propósito maior é supor o determinismo. Creio no livre-arbítrio e creio que as pessoas são responsáveis pelos seus atos e que fatalidades — que nada têm a ver com fatalismo! — ocorrem num mundo onde haja liberdade. Quanto a esse assunto, sobre o sofrimento no mundo, recomendo o vídeo que indiquei na Questão 4. 

Questão 12
Se Deus existe, ele poderia agir de maneira que tudo aquilo que agora é considerado pecaminoso fosse moralmente aceitável e de maneira que tudo aquilo que é agora considerado moralmente bom torna-se pecaminoso.
Verdadeiro/Falso

Essa questão tem a ver com um dilema que o meu colega supracitado, Rodrigo Cid, sempre gosta de levantar, que é o conhecido Dilema de Eutífron. Resumidamente, o dilema é o seguinte: Deus faz o que é bom porque é bom ou as coisas que Deus faz são boas porque as faz? Haveria um dilema porque se Deus faz o que é bom porque é bom, há algo externo a Deus ao qual Deus serve. Se, do contrário, as coisas são boas porque Deus praticou-as, quer dizer que a bondade é arbitrária. Esse é um falso dilema na verdade [7] porque há uma opção que não é colocada pelo dilema, o que acaba reduzindo-o à falácia conhecida por "falácia do falso dilema". A opção é a de que a bondade seja imanente ao próprio Deus, de modo que ele nem sirva a algo externa e não torne algo bondoso por um decreto, simplesmente porque ele aja de determinada maneira. Essa questão flerta com a questão 3, pois vimos que Deus não pode fazer o que é logicamente impossível e para que um ato pecaminoso fosse considerado moralmente aceitável, Deus teria de mudar a sua natureza, o que seria contraditório de acordo com o que já discutimos sobre o mal a partir da concepção agostiniana.

Questão 13
É tolice crer em Deus sem certeza ou prova irrevogável de que Ele exista.
Verdadeiro/Falso

Hebreus 11.1 diz o seguinte: "Ora, a fé é a certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos."; logo, a fé é a certeza e a prova de que Deus existe por definição.O famoso versículo de João 3.16 diz: "Porque Deus tanto amou o mundo que deu o seu Filho Unigênito, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna.". O verbo grego para "crer" neste texto é o verbo "pistis" que tem a conotação de fé. A fé, portanto, a necessária para a salvação no Cristianismo e, por sua vez, é a certeza de que Deus existe. É tolo, portanto, crer em Deus sem fé, ou sem a certeza do que esperamos.
 
Questão 14
Tão logo não existam argumentos cogentes ou evidências que mostrem que Deus não existe, o ateísmo é matéria de fé, e não de racionalidade.
Verdadeiro/Falso

Você foi atingido!

Você acabou de tomar um tiro certeiro!

Mais cedo, você concordou que é racional crer que o Monstro do Lago Ness não existe se há ausência de evidências fortes ou argumentos de que ele existisse. Nenhuma evidência forte ou argumento foi exigido para mostrar que o monstro não existe — ausência de evidências ou argumentos foram suficientes. Agora, entretanto, você alega que o ateísta precisa estar apto a providenciar argumentos fortes ou evidências se sua crença na não-existência de Deus é racional, em detrimento de uma mera matéria de fé.

A contradição é que na primeira ocasião — referente ao Monstro do Lago Ness — você concordou que a ausência de evidência ou argumento é suficiente para racionalmente justificar a crença na não-existência do Monstro do Lago Ness; contudo, nesta ocasião — quando nos referimos a Deus — você não concordou de forma semelhante.

Faço menção, novamente, ao texto ao qual fiz referência na Questão 10. Quando se fala sobre o monstro do Lago Ness, está-se falando sobre um objeto no mundo externo que pode ser detectado por meios científicos, o que é completamente distinto de tratar sobre Deus. O texto do Craig esclarece bem esse problema, dissolvendo a tal contradição apontada. Confesso que estou com preguiça de reproduzir o argumento do Craig. Leiam o texto dele!

Questão 15
O estuprador em série Peter Sutcliffe tem uma firme convicção interior de que Deus queria que ele estuprasse e assassinasse prostitutas. Ele foi, portanto, justificado em crer que ele estava realizando a vontade de Deus ao empreender essas ações.
Verdadeiro/Falso

Já mencionei essa questão da "convicção interior" na Questão 7.

Questão 16
Se Deus existe, ele teria a liberdade e poder para criar círculos quadrados e tornar 1 + 1 = 72.
Verdadeiro/ Falso

Já mencionei essa questão na Questão 3.

Questão 17
É justificável crer em Deus se alguém tem a firme convicção interna de que Deus existe, independentemente de evidências externas, ou da ausência delas, referentes à verdade ou falsidade de que Deus exista.
Verdadeiro/Falso

Já discuti isso na Questão 7.

Você chegou ao fim!

Parabéns! Você respondeu às perguntas até o fim desta atividade.

Você tomou um golpe direto e foi acertado por uma bala. O jogador médio dessa atividade até a presente data toma 1,37 golpes e 1,09 balas. 551.377 pessoas têm feito esta atividade.

Clique no link abaixo para uma análise posterior do seu desempenho e veja se você ganhou um prêmio.

Parabéns!
Você foi premiado com a medalha de distinção TPM! Esse é o nosso segundo maior prêmio pelo notável serviço prestado no campo da batalha intelectual.

O fato de você ter progredido durante a atividade sendo golpeado apenas uma vez e tendo recebido apenas uma bala sugere que suas crenças sobre Deus são bem pensadas e que são quase inteiramente consistentes internamente.

O golpe direto que você sofreu ocorreu porque um conjunto das suas respostas implicou uma contradição lógica. O tiro levado ocorreu porque você respondeu de maneira que requeria que você defendeu visões que a maioria das pessoas acharia estranhas, inacreditáveis ou intragáveis. Na parte inferior desta página, temos reproduzida a análise do seu golpe direto e das balas que o feriram.

Como você sofreu apenas um golpe direto e um tiro, você está qualificado a receber o nosso segundo maior prêmio. Bom aproveitamento!

[1] Dêem uma olhada no Manual de Defesa da fé (Peter Kreeft, Ronald K. Taceli) 


[3] Vejam as Confissões, do Santo Agostinho, no Livro VII — "A Caminho de Deus
12 - O Problema do Mal - A Perfeição das Criaturas". Transcrevo o trecho genial de Agostinho para quem não conhece:

"Vi claramente que todas as coisas que se corrompem são boas: não se poderiam corromper se fossem sumamente boas, nem se poderiam corromper se não fossem boas. Com efeito, se fossem absolutamente boas, seriam incorruptíveis, e se não tivessem nenhum bem, nada haveria nelas que se corrompesse.

De fato, a corrupção é nociva, e, se não diminuísse o bem, não seria nociva. Portanto, ou a corrupção nada prejudica - o que não é aceitável - ou todas as coisas que se corrompem são privadas de algum bem. Isto não admite dúvida. Se, porém, fossem privadas de todo o bem, deixariam inteiramente de existir. Se existissem e já não pudessem ser alteradas, seriam melhores porque permaneceriam incorruptíveis. Que maior monstruosidade do que afirmar que as coisas se tornariam melhores com perder todo o bem?

Por isso, se são privadas de todo o bem, deixarão totalmente de existir. Logo, enquanto existem, são boas. Portanto, todas as coisas que existem são boas, e aquele mal que eu procurava não é uma substância, pois, se fosse substância, seria um bem. Na verdade, ou seria uma substância incorruptível, e então era certamente um grande bem, ou seria substância corruptível, e, nesse caso, se não fosse boa, não se poderia corromper.
Vi, pois, e pareceu-me evidente que criastes boas todas as coisas, e que certissimamente não existe nenhuma substância que Vós não criásseis. E, porque as não criastes todas iguais, por esta razão, todas elas, ainda wue boas em particular, tomadas conjuntamente são muito boas, pois o nosso Deus criou "todas as coisas muito boas".¹

¹ Gen. 1, 31

[4] Vejam o excelente vídeo do William Lane Craig sobre esse assunto:
http://www.youtube.com/watch?v=8o2BtYlH4Sc

[5] Essa questão das inferências indutivas está conectada ao que ficou conhecido como "Problema da Indução de Hume". Recomendo a leitura do verbete da Enciclopédia de Filosofia de Stanford:
http://plato.stanford.edu/entries/induction-problem/