terça-feira, 6 de dezembro de 2016

São Paulo rezou por um homem morto: Onesíforo (Dave Armstrong)

“Que o Senhor difunda sua misericórdia sobre a família de Onesíforo, pois ele me reconfortou muitas vezes e não se envergonhou das minhas cadeias. Pelo contrário, desde que chegou a Roma, procurou-me com solicitude e me encontrou. Que o Senhor lhe conceda encontrar misericórdia junto ao Senhor naquele Dia. E todos os serviços que ele me prestou em Éfeso, tu os conheces melhor do que ninguém” (2 Timóteo 1.16-18).
Os católicos rezam pelas almas do Purgatório a fim de ajudá-los em sua jornada através dele rumo ao Céu. Na oração pelos mortos, é muito razoável argumentar que algum tipo de estado intermediário é pressuposto porque seria inútil rezar por aqueles que estão no Inferno (a oração não pode mais os ajudar) e desnecessário rezar por aqueles que estão no Céu (eles têm tudo de que precisam). Esse versículo oferece suporte bíblico para essa crença.

A conhecida obra protestante “The New Bible Commentary” (3rd edition, 1970) assume a surpreendente posição de que Onesíforo está provavelmente morto (citando 2 Tm. 4.19), mas afirma que Paulo estava orando pela sua conduta durante a vida. O preeminente “Jamieson, Fausset, and Brown Commentary” (1864) também sustenta que Paulo estava orando, mas, obviamente, não por um homem morto porque, afinal de contas, “em nenhum outro lugar, Paulo ora pelos mortos, o que é fatal para a teoria [...] de que ele estava morto.”. Esse é o raciocínio circular: simplesmente, assume-se aquilo que se alega estar provado.

O estudioso grego A. T. Robertson (“Word Pictures in the New Testament, 1930, Vol. IV, 615) concede que Onesíforo estava morto, mas, desesperadamente, descreve a oração de Paulo a ele como um “desejo” (essencialmente, uma distinção sem uma diferença). A “International Standard Bible Encyclopedia” (1939) faz a mesma (não dá pra descrever de outra forma) racionalização, usando a descrição “desejo piedoso” (Vol. IV, 2195). O famoso comentador presbiteriano Matthew Henry (1662-1714) e Albert Barnes (1798-1870) assumem, fortuitamente, que Onesíforo não estava morto, uma vez que Paulo orou por ele — novamente, fazendo-se suposições prévias sobre o que é possível em primeiro lugar, o que equivale à eisegese ou a ler nas Escrituras noções que não estão lá. João Calvino, por sua vez, negou que ele estivesse morto.

Nem todos concordam

A “jogada” e o enigma para todos esses comentadores é a recusa em aceitar as duas coisas conjuntamente: um homem morto e alguém orar por ele. Então, se eles pensam que ele estava morto, eles negam que se orou por ele. Se eles reconhecem que se tratou de uma oração, eles negam que estava morto. 

Nem tudo, contudo, está perdido. Encontrei vários comentaristas anglicanos e alguns poucos outros (graças, em grande parte, ao “Google Books”) que aceitaram ambos os fatores conjuntamente e que afirmam que Paulo orou por um homem morto. Os comentaristas anglicanos incluem Alfred Plummer (1841-1926), no “The Expositor’s Bible”, James Maurice Wilson (1836-1931), Sydney Charles Gayford (em 1905), John Henry Bernard (1860-1927), Charles John Ellicott (1816-1905) e J. N. D. Kelly (1909-1997), em “A commentary on the Pastoral Epistles” (London: A&C Black, 1963, p.171). Este último afirma:
“Na suposição, que deve ser correta, de que Onesíforo estava morto quando as palavras foram escritas, temos aqui um exemplo, único no Novo Testamento, de oração cristã por um falecido [...], a recomendação de um morto à divina misericórdia. Não há nada de surpreendente no uso de Paulo de tal oração, pois a oração pelos mortos tinha sido sancionada nos círculos farisaicos, por qualquer razão, desde a data da passagem de 2 Mc. 12.43-45 (metade do primeiro século antes de Cristo?). Inscrições nas catacumbas romanas e em outros lugares provam que a prática estabeleceu-se entre os cristãos desde muito cedo.”.
William Barclay (presbiteriano liberal: 1907-1978) concorda em suas “Letters to Timothy, Titus, and Philemon”. O mesmo ocorre com o bastante conhecido historiador da igreja reformado protestante Philip Schaff (1819-1893) em “The International Illustrated Commentary on the New Testament” (1889, Vol. IV, 587). Outros comentadores que concordam incluem W. Robertson Nicoll, “The Expositor’s Greek Testament” (1951), e o renomado Henry Alford, “The Greek Testament” (1958).

Leitura na Escritura

O que devemos concluir a partir de toda essa confusão de várias opiniões protestantes? Fico sempre feliz em mostrar a informação e em permitir aos leitores chegar às suas próprias conclusões, mas concluo (se é que isso vale de alguma coisa) que a passagem é bem direta. Portanto, quando um comentador decide que Onesíforo não está morto ou que ele estava, mas que não se orou por ele, trata-se de um exemplo de eisegese, deixando-se que a parcialidade denominacional interfira no comentário bíblico objetivo. 

Nossos irmãos separados, freqüentemente, assinalam que eles recorrem apenas à Bíblia como a sua única fonte de autoridade e regra de fé infalível, que eles, meramente, deixam-na falar por si mesma.

No entanto, quando se trata de uma questão como essa, em que o texto bíblico parece discorrer de forma contrária a um dogma denominacional protestante (i.e. , que a oração pelos mortos é inadmissível), há uma abundância de “explicações” e de negações do que parece estar claramente presente na passagem. 

A parcialidade nunca deveria nos surpreender. É natural à mente humana e a todos nós (incluindo os católicos) termos isso. Todos nós também trazemos conosco tradições prévias ao nosso comentário bíblico não importa o quanto possamos tentar negá-lo. Não é uma questão meramente hipotética ou condicional, mas se trata de qual tradição está presente ao lermos o texto bíblico.

Sustento que os católicos são tão livres como qualquer outro cristão (se não for mais) para, simplesmente, deixar a Bíblia falar por si mesma. Se, realmente, ela ensina a oração pelos mortos nessa passagem, nós aceitamos isso como parte da revelação inspirada de Deus. Isso corresponde ao ensino dogmático/doutrinário católico, que se atrela ao Purgatório. Na minha experiência de mais de 24 anos de apologética católica, isso sempre acontece quando estudamos a Bíblia. Pode ser pouco conhecido e freqüentemente negado pelos protestantes, mas é verdade e eu tenho mostrado isso com muitos exemplos no meu próprio trabalho, como este presente.


terça-feira, 29 de novembro de 2016

A realidade bíblica do Purgatório (Mario P. Romero)


O que a Igreja Católica ensina?

“Os que morrem na graça e na amizade de Deus, mas não de todo purificados, embora seguros da sua salvação eterna, sofrem, depois da morte, uma purificação, a fim de obterem a santidade necessária para entrar na alegria do Céu [..]. A Igreja chama Purgatório a esta purificação final dos eleitos, que é absolutamente distinta do castigo dos condenados [604]. [...] A Tradição da Igreja, referindo-se a certos textos da Escritura, fala dum fogo purificador [605]:
Pelo que diz respeito a certas faltas leves, deve crer-se que existe, antes do julgamento, um fogo purificador, conforme afirma Aquele que é a verdade, quando diz que, se alguém proferir uma blasfémia contra o Espírito Santo, isso não lhe será perdoado nem neste século nem no século futuro (Mt 12, 32). Desta afirmação, podemos deduzir que certas faltas podem ser perdoadas neste mundo e outras no mundo que há-de vir [606].
Esta doutrina apoia-se também na prática da oração pelos defuntos, de que já fala a Sagrada Escritura: «Por isso, [Judas Macabeu] pediu um sacrifício expiatório para que os mortos fossem livres das suas faltas» [607]. Desde os primeiros tempos, a Igreja honrou a memória dos defuntos, oferecendo sufrágios em seu favor, particularmente o Sacrifício eucarístico para que, purificados, possam chegar à visão beatífica de Deus [608]. A Igreja recomenda também a esmola, as indulgências e as obras de penitência a favor dos defuntos:
«Socorramo-los e façamos comemoração deles. Se os filhos de Job foram purificados pelo sacrifício do seu pai por que duvidar de que as nossas oferendas pelos defuntos lhes levam alguma consolação? Não hesitemos em socorrer os que partiram e em oferecer por eles as nossas orações» [609].
(Catecismo da Igreja Católica, #1030-1032)

Objeção comum #1

“A palavra ‘purgatório’ sequer aparece na Bíblia. Trata-se de uma invenção católica iniciada quando a Igreja pôde fazer dinheiro com a missas que as pessoas ofereciam àqueles falecidos que amavam.”.

Uma resposta católica

Uma compreensão protestante corrente da justificação assegura que ninguém é, realmente, totalmente limpo do pecado. Em vez disso, o cristão, simplesmente, reveste-se do “manto” da justiça de Cristo — e, então, vai para o Céu após a sua morte imaculado externamente. Uma vez que, na teologia protestante, o sangue de Jesus não limpa realmente a inteireza do nosso ser, mas, meramente, cobre-nos, a fim de que sejamos apresentáveis a Deus Pai, muitos protestantes alegam que não há qualquer necessidade de sermos purgados dos nossos pecados pessoais cometidos após o Batismo — uma vez que Cristo realizou a purgação de todo pecado na cruz e revestiu os Seus discípulos da Sua própria justiça. 

Por outro lado, a católica (e a bíblica) compreensão da justificação alega que o Batismo em Cristo limpa-nos por completo, internamente e externamente, de todos os pecados cometidos até aquele momento (cf. Atos 2.38), tornando-nos “novas criaturas” (cf. 2 Cor. 5.17). O Batismo em Cristo torna-nos filhos e filhas adotivos de Deus e, portanto, irmãos e irmãs de Jesus Cristo (cf. 1 João 3.1-3; Rm. 8.14-17). Após sermos “investidos de Cristo” nas águas do Batismo (cf. Gl. 3.27-29), os cristãos tornam-se membros de pleno direito da família de Deus.

Considere a seguinte analogia sobre a experiência de ser-se um membro de uma família humana: após nosso nascimento em uma família humana, recebemos o nome da nossa família e, quando temos idade suficiente, é-nos dado o livre-arbítrio pelos nossos pais para sairmos e “brincarmos” na vizinhança. Nas nossas aventuras pelos parques infantis da vizinhança, podemos, muitas vezes, cair e “sujar-nos” e, então, retornar para a casa, diariamente, para um bom banho. Depois de uma esfregação completa dos nossos pais, a amada criança é, mais uma vez, um cheiroso membro da sua família. Se uma criança suja e suada retornasse para o lar dos seus pais e, simplesmente, vestisse-se de roupas novas e sentasse-se na mesa de jantar, os narizes de seus pais, instantaneamente, detectariam que ela precisa de uma boa esfregação e iriam, rapidamente, encaminhá-lo ao banheiro para que ele pudesse estar limpo apropriadamente. 

De forma similar, após o nosso nascimento batismal na nossa família celestial (cf. João 3.1-5, 22), nosso Pai celestial (Deus) dá-nos o livre-arbítrio para irmos ao “parque” do mundo. Assim como uma criança em uma família humana, muitas vezes, cai e “suja-se” nas suas aventuras no parque da vizinhança, nós, muitas vezes, “sujamo-nos” espiritualmente e cometemos pecados. Assim como nós, seres humanos, temos de limpar-nos corporalmente por toda a nossa vida, os cristãos católicos limpam-se espiritualmente/sacramentalmente com base no Sangue do Cristo ressurreto. 

Posto de forma simples, a doutrina católica do “Purgatório” pode ser definida como o processo de aplicação dos méritos salvíficos da morte e ressurreição de Cristo à alma de um cristão falecido que morreu com pecados, após o Batismo, que não conduzem à morte (cf. 1 João 5.16-17) na sua alma. Após esse processo de lavagem/purgação espiritual, a alma do cristão é, então, preparada para a união total com nosso Deus no Céu, que é todo santidade. Os Sacramentos, simplesmente compreendidos, são “banhos” espirituais no sangue de Cristo ressurreto que nutre e restaura a nossa alma à sua pureza batismal original e que nos permite, mais uma vez, ser membros “cheirosos” (internamente e externamente) da nossa família celestial.

A palavra “purgatório” não está na Bíblia como tal, mas a realidade do Purgatório está solidamente enraizada na Escritura. A Igreja, simplesmente, deu um nome à realidade bíblica. Para fazer uso de uma analogia, a realidade do cometa Haley existia por muito tempo antes de um astrônomo dar a ele um nome a fim de identificar a realidade existente. Outras palavras que não aparecem na Bíblia são as palavras: “Bíblia”, “Trindade” e “Encarnação”. As realidades dessas coisas, entretanto, estão claramente contidas nas Escrituras.

Considere estas passagens da Escritura que, quando postas juntas, apontam para a realidade e para a necessidade de um “Purgatório”:
  • Para uma alma entrar no Céu, o Novo Testamento ensina-nos que se deve estar totalmente limpo espiritualmente e ser-se santo — tanto internamente quanto externamente:
“Nela [Jerusalém Celeste, Céu] não entrará nada impuro [...]” (Apocalipse 21.27);

“Felizes os corações puros: eles verão a Deus” (Mateus 5.8);

“Procurai a paz com todos, e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor.” (Hebreus 12.14);

“Vós, portanto, sereis perfeitos, como é perfeito o vosso Pai celeste.” (Mateus 5.48).
  • A Bíblia ensina-nos que existem dois tipos diferentes de pecado: “Se alguém vê seu irmão cometer um pecado, um pecado que não conduz à morte, ore e Deus lhe dará a vida, se, de fato, o pecado cometido não conduz à morte. Existe um pecado que conduz à morte: não é a respeito deste que eu digo que ore. Toda iniquidade é pecado: mas nem todo pecado conduz à morte.” (1 João 5.16-17). Pode-se ver claramente aqui que as Escrituras falam sobre dois tipos distintos de pecado, classificados de acordo com a sua gravidade e com as suas conseqüências: (a) que conduzem à morte (aos quais a Igreja Católica refere-se como “mortais”) e (b) que não conduzem à morte (aos quais a Igreja Católica refere-se como “veniais”) [1]. Um pecado que conduz à morte (mortal) faz justamente aquilo que o seu nome diz — se não houver arrependimento, eles “matam” as chances de uma pessoa entrar no Céu porque o pecador tem escolhido, livremente, por meio de suas ações, virar, totalmente, as suas costas a Deus [2]. Um pecado “que não conduz à morte” (venial) faz, também, aquilo que o seu nome acarreta — um “pecado que não conduz à morte” (venial) é muito menos grave que um pecado mortal e, então, não “mata” as chances de salvação de uma pessoa. Entretanto, um pecado venial ainda representa uma rejeição da vontade de Deus em um grau menor.
  • No Evangelho de Mateus, Jesus fala sobre o pecado que conduz à morte (mortal) de pecar-se contra o Espírito Santo: “E se alguém profere uma palavra contra o Filho do Homem, isto lhe será perdoado; mas se falar contra o Espírito Santo, isto não lhe será perdoado, nem neste mundo, nem no vindouro.” (Mateus 12.32). Por que Jesus, do nada, sequer se preocuparia em mencionar a possibilidade de perdão no mundo vindouro se ele não fosse possível para alguns pecados que não conduzem à morte (veniais) menos graves? Parece que, olhando-se essa passagem, a conversão de um cristão em Jesus não cessa com a morte do seu corpo.
  • Incluindo a si mesmo na sua declaração, São Paulo escreve à comunidade cristã “salva” em Corinto (cf. 2 Cor. 1.1-2): “Pois todos deveremos comparecer a descoberto diante do tribunal de Cristo, a fim de que cada um receba o prêmio do que tiver feito durante a sua vida corporal, seja o bem, seja o mal.” (2 Cor. 5.10). O que dizer sobre aquele cristão sincero voltado a Deus que morreu, mas que não estava, ainda, apto a perdoar uma pessoa que tinha o ofendido de alguma forma grave? Que recompensa esse cristão sincero teria de Deus por morrer no pecado de não perdoar? De acordo com Apocalipse 21.27 e com Hebreus 12.14, essa pessoa não estaria ainda pronta para entrar, imediatamente, no Céu. Um Deus misericordioso condenaria esse pecador voltado a Ele à punição eterna no Inferno? A Igreja Católica, juntamente com os Padres da Igreja primitiva, diria que “NÃO”, mas reconheceria que essa pessoa não estaria ainda espiritualmente pronta para entrar no Céu diretamente.
  • A Escritura fala, certo número de vezes, sobre a prática dos vivos de orarem pelos mortos. No Novo Testamento, São Paulo reza pela alma do falecido Onesíforo: “Que o Senhor lhe conceda [ao Onesíforo] encontrar misericórdia junto ao Senhor naquele Dia [...]” (2 Tm. 1.18). No Antigo Testamento, nós lemos: “[...] puseram-se em oração. A palavra atonement [“expiatório”] pode ser desmembrada: at-one-ment (significando que a oração destinava-se a ajudar a tornar o pecador falecido um com Deus novamente). Essa prática da oração pelos mortos não teria nenhum sentido se a alma da pessoa estivesse no Céu (a alma já teria alcançado a sua completa satisfação). Essa prática, também, não teria qualquer sentido se a alma da pessoa estivesse no Inferno (São Paulo diz em 2 Ts. 1.9 que o Inferno é eterno e que, uma vez que uma alma entre nele, não há como sair dele). Rezar pelos mortos apenas teria sentido se uma pessoa morresse com pecados que não conduzem à morte (veniais) ainda deixados na sua alma e estivesse passando por um período de transição temporário de purificação antes de entrar no Céu totalmente limpa (cf. Ap. 21.27). Numerosos escritos cristãos primitivos e liturgias antigas falam sobre a prática comum de rezar-se pelos mortos (referência ao final deste capítulo). Grafites nas catacumbas cristãs mostram, graficamente, os fiéis vivos rezando pelos seus entes queridos que partiram [6]. No livro do Sirácida [Eclesiástico], nós lemos: “Que o favor de teus dons chegue a todos os vivos e mesmo aos mortos não recuses tua graça.” (Sirácida 7.33) [7].
  • Depois que o corpo de uma pessoa morre, a sua alma está em um dos três lugares: (a) na morte, a alma vai para o Céu se está completamente preparada para tanto (se ela está completamente sem pecado e totalmente orientada a Deus); (b) na morte, a alma vai para o Inferno se está completamente despreparada para o Céu (se ela está repleta de pecados mortais sérios e totalmente orientada a si mesma); (c) a partir da evidência bíblica, parece que, na morte, nosso Deus misericordioso permite que uma alma vá para um lugar de limpeza temporário (“Purgatório”) se ela está, basicamente, orientada a Deus, mas tem ainda alguns traços da pecaminosidade venial deixados na alma [8]. Se uma alma está no Purgatório e está sendo preparada para o Céu, ela pode beneficiar-se das orações dos vivos na Terra (cf. Mc. 12.38-46).
  • São Paulo escreve aos cristãos em Corinto: “Sobre esse alicerce [Jesus Cristo] um põe ouro, outro prata, pedras preciosas, madeira, capim, palha. A obra de cada um ficará evidente, pois aquele dia a mostrará: aparecerá com fogo, e o fogo comprovará a qualidade da obra de cada um. Se a obra que construiu resiste, ele receberá seu salário. Se a obra queima, será castigado, embora se salve como quem escapa do fogo.”. (1 Cor. 3.12-15). Patrick Madrid escreve sobre essa importante passagem de São Paulo:
“Essa passagem, mais do que qualquer outra na Escritura, com exceção de 2 Macabeus 12, mostra, claramente, os elementos essenciais da doutrina do Purgatório. Observe vários aspectos chaves do ensino de São Paulo aqui. 
Primeiramente, esse processo de pôr em evidência toma lugar após a morte, no momento em que o homem apresenta-se diante de Deus e é julgado pelos conteúdos da sua vida — “E como o destino dos homens é morrer uma só vez — após o que vem o julgamento” (Hb. 9.27). 
Segundamente, esse julgamento envolve uma purificação que purga toda a escória que se aderiu à sua alma, o que São Paulo descreve como “madeira, capim, palha”. Esses materiais são queimados nesse julgamento. Inversamente, aquelas obras boas — “ouro, prata, pedras preciosas” — são refinadas e retidas.  
Terceiramente, esse processo de purificação dói; ele envolve sofrimento: “Se a obra se queima, será castigado”. Isso significa que esse processo descrito aqui é temporário, uma vez que o homem em questão é destinado ao Céu: “embora se salve como quem escapa do fogo”. Isso, também, indica que o processo de purificação, “com fogo”, ocorre antes de o homem entrar no Céu. 
Tudo isso aponta para o fato de que Deus, em sua misericórdia, preparou um caminho para aqueles que morrem em estado de graça (Rm. 11.22) e de amizade com Ele terem as imperfeições e punições temporais devido ao pecado purgadas pelo fogo do Seu amor antes de entrarem na glória celestial [9].
Considere este diagrama visual da realidade bíblica do Purgatório:

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  • Seguindo o mesmo tema da limpeza espiritual, no Evangelho de Marcos, Jesus fala sobre a purificação necessária exigida dos Seus seguidores: “Pois cada um será salgado no fogo” (Marcos 9.49). Nos Salmos, nós lemos: “Senhor Deus nosso, tu respondias a eles. Tu eras para eles um Deus de perdão, embora vingador de suas maldades.” (Salmo 99.8). Essa passagem da Escritura, certamente, seria consistente com a doutrina do Purgatório, onde Jesus promete salvação ao fiel, mas, primeiramente, exige dele que se desfaça dos resquícios da sua falta de santidade pessoal antes que O veja face a face.
  • Entre o nosso juízo particular, que ocorre no momento da morte de cada pessoa (cf. Hb. 9.27), e o Juízo Geral, quando Jesus retorna em glória no fim do mundo e julga a todos (cf. Mt. 25.31-46), há um intervalo de tempo em que as almas têm a oportunidade de ser purificadas de sua pecaminosidade para que, então, possam entrar no Céu totalmente limpas (cf. Ap. 21.27) [10].
  • O contato espiritual com aqueles que amamos não cessa na morte (cf. 2 Mc. 12.38-46). Em Ap. 6.9-10, lemos sobre os mártires no Céu (os Santos) que clamam a Deus e suplicam-Lhe para agir em Seu nome. Em Ap. 8.3-4, nós lemos sobre os Santos no Céu constantemente ofertando orações a Deus (sem dúvida, intercedendo com Ele em nome dos outros como eles faziam tão freqüentemente na Terra) [11]. Conforme a Parábola do homem rico e Lázaro (Lucas 16.19-31) e o relato da Transfiguração de Jesus (Mt. 17.1-8), lemos sobre que tipo de interação uma alma pode ter após a morte do seu corpo [12]. São Paulo diz aos cristãos em Roma que a morte não nos separa de Jesus ou de outro alguém: “Quem nos separará do amor do Cristo? [...] nem a morte nem a vida [...] nada poderá separar-nos do amor de Deus, manifestado em Jesus Cristo, nosso Senhor.” (Rm. 8.35-39).
  • Toda alma que entra no Purgatório irá para o Céu um dia. Depois que a última alma deixar o Purgatório e entrar no Céu, ele deixará de existir porque não haverá mais propósito para ele. Depois disso, haverá apenas o Céu e o Inferno por toda a eternidade (cf. Mt. 25.46).
  • O Purgatório é um lugar de esperança! No Purgatório, nosso Deus misericordioso dá ao pecador orientado a Deus a oportunidade de entrar no Céu — mesmo se ele não morreu como um Santo perfeito.
Pode-se ver, depois de expormos juntas todas essas passagens da Escritura, a realidade e a necessidade de um lugar transitório de purificação (i.e., o “Purgatório”).

Certa feita, estava dando aulas em uma turma de Crisma para crianças de 11 anos e perguntei-lhes se, depois da sua Confirmação, elas estavam planejando tornar-se mais ativas e envolvidas na prática da sua fé católica. Uma menina levantou a sua mão e disse: “Depois da Crisma, eu acho que quero entrar na igreja ‘XYZ’!”. Depois que peguei minha mandíbula do chão, perguntei-lhe por que ela queria fazer isso. Ela disse: “Porque eles não crêem no Purgatório e eu preferiria muito mais ir ao Céu diretamente quando eu morrer.”. Pensei por um momento e respondi-lhe: “Negar uma realidade a faz deixar de existir? Se eu disser que eu não acredito que exista um Oceano Atlântico, isso o faz evaporar?”. Muitas igrejas protestantes negam a realidade do Purgatório, mas, ao fazer isso, elas estão, simplesmente, escolhendo ignorar uma importante verdade enraizada nas Escrituras. Não reconhecer uma verdade não a faz mudar. 

Objeção comum #2

“Os méritos da morte e ressurreição de Jesus provocaram a total remissão do pecado. O Purgatório, portanto, é, simplesmente, desnecessário.”.

Uma resposta católica

Alan Schreck, no seu livro Catholic and Christian (“Católico e cristão”), responde a essa objeção que ouvimos muitas vezes:
‘“Todo pecado é totalmente perdoado e removido por meio da paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Os cristãos católicos compreendem o Purgatório como um meio pelo qual essa salvação em Jesus realmente “ocorre” ou é aplicada a pessoas singulares. Se a pessoa morre em alguma escravidão para pecar ou foi aleijada pelos efeitos do pecado, esse pecado e os seus efeitos devem ser removidos, perdoados e purgados antes que a pessoa veja Deus face a face. Por quê? Por causa da santidade de Deus. O pecado e Deus são diametralmente opostos. Deus é tão puro, tão Santo, que nada de impuro ou pecaminoso pode entrar na Sua presença (veja Ap. 21.27). O pecado é queimado pela santidade de Deus, pela sua ira contra o pecado e pelo seu amor pelo pecador arrependido: “Pois o nosso Deus é um fogo abrasador” (Hb. 12.29). 
O profeta Isaías teve uma visão de Deus sentado sobre um trono com os anjos ao redor dele gritando: “Santo, santo, santo, o SENHOR de todo poder” (Is. 6.1-3). A resposta imediata de Isaías foi: “Ai de mim! Estou perdido, sou um homem de lábios impuros e meus olhos viram o rei, o SENHOR de todo poder” (Is. 6.5). O Senhor, entretanto, enviou um anjo para purificar os lábios de Isaías com uma brasa do altar de Deus: “Com ela tocou-me a boca e disse: ‘A partir do momento em que isto tocou os teus lábios, a tua falta foi removida, teu pecado está apagado’.” (Is. 6.7). Somente depois disso que Isaías estava apto a falar a Palavra de Deus ao povo”.”’.
Patrick Madrid escreve sobre o Purgatório:
“O Purgatório, realmente, não tem nada a ver com a salvação. É uma fase temporária de purificação pela qual apenas o salvo pode passar [...]. [O Purgatório] tem a ver com a limpeza do salvo e com o seu preparo para as alegrias eternas do Céu. O Purgatório lida com os efeitos temporais devidos ao pecado. Apenas Cristo, por meio da sua morte na Cruz, é capaz de erradicar a penalidade eterna devida ao pecado. Entretanto, há numerosos efeitos dos nossos pecados que permanecem. 
A morte de Cristo na cruz não elimina os efeitos do pecado na ordem temporal. Por exemplo, duas conseqüências centrais do pecado original (cf. Gn. 2.15-17; 3.1-19) (i.e., as “punições temporais devidas ao pecado”) são a doença e a morte. Agora, quando Cristo morreu na cruz, Ele nos redimiu da penalidade eterna devida àquele pecado (assim como todos os nossos pecados pessoais e atuais), mas Ele não eliminou, desse modo, os efeitos temporais que foram causados por aquele pecado: principalmente a doença e a morte. Os efeitos temporais devidos ao pecado estendem-se, tristemente, para muito além da doença física e da morte (em 1 Coríntios 11.27-32, Paulo menciona que certos pecados têm efeitos colaterais letais.). Eles incluem as impurezas espirituais e a fraqueza que se adere à alma.” [14].
Objeção comum #3

“A doutrina do Purgatório, na verdade, é uma ‘licença católica para pecar’. É uma rede de segurança que permite um católico viver de qualquer modo que ele queira, e mesmo assim entrar no Céu um dia.”.

Uma resposta católica

Isso nunca foi o ensino ou o entendimento da Igreja Católica concernente à doutrina do Purgatório e qualquer católico que pense isso pode muito bem ter um eterno desapontamento com ele. Nas palavras de Jesus: “quão estreita é a porta e apertado o caminho que leva à vida, e poucos são os que o encontram!” (Mt. 7.13-14). O Purgatório é para o cristão sincero que lutou, com o melhor da sua habilidade, para andar no caminho apertado e para entrar pela porta estreita, mas que ficou aquém da perfeição espiritual. Na tremenda misericórdia de Deus, por meio dos méritos da morte e da ressurreição do Seu Filho, Ele os limpa e prepara espiritualmente antes de entrarem na vida eterna com Ele no Céu.

Os primeiros cristãos acreditavam que a oração terrena beneficiava as almas dos fiéis falecidos e que, portanto, implicitamente, acreditavam na existência de um lugar transitório de purificação espiritual após a morte (i.e. , o “Purgatório”)?

  • “Cidadão de uma proeminente cidade, erigi isto enquanto vivia, a fim de que eu pudesse ter um local de descanso para o meu corpo. Abércio é o meu nome, um discípulo do pastor casto que alimenta as suas ovelhas nas montanhas e nos campos, que tem grandes olhos perscrutando toda parte, que me ensinou os escritos fiéis da vida. De pé, eu, Abércio, ordenei que isto fosse escrito — verdadeiramente, estava no meu septuagésimo segundo ano — : 'Que todo aquele que esteja de acordo com isto e que o compreenda reze por Abércio'.” {Abércio, no seu epitáfio (c. 180 A.D.) [15]}.
  • “Oferecemos sacrifícios pelos mortos nos seus aniversários de nascimento.” {Tertuliano, no seu The Crown (“A coroa”) (c. 211 A.D.) [16]}.
  • “Uma mulher, após a morte do seu esposo [...], rezou pela sua alma e pede que ele possa, enquanto espera, encontrar descanso e que ele possa participar da primeira ressurreição. E a cada ano, no aniversário da sua morte, ela oferece o sacrifício.” {Tertuliano, no seu Monogamy (“Monogamia”) (c. 213 A.D.) [17]}.
  • “Mas também, quando Deus julgar o justo, é igualmente no fogo que Ele vai experimentá-los. Nesse momento, aqueles cujos pecados são superiores, seja por causa da sua gravidade ou por causa do seu número, serão reunidos no fogo e serão queimados. Aqueles, entretanto, que foram imbuídos de plena justiça e maturidade de virtude não sentirão esse fogo, porque eles têm algo de Deus neles que irá repelir e afastar a força da chama.” {Lactâncio, no seu The Divine Institutions (“As Instituições Divinas”) (c. 307 A.D.) [18]}.
  • “Rezo a vós, ó luz dos moribundos, que a mãe possa descansar bem” {Epitaph of Pectorius (“Epitáfio de Pectório”) (c. 350 A.D.) [19]}.
  • Se uma alma parte deste mundo com pecados, qual seria o proveito de ela ser lembrada na oração? Bem, se um rei fosse banir certas pessoas que o ofenderam, e aqueles que intercedessem por elas ornassem uma coroa e lha oferecessem em nome daqueles que seriam punidos, ele não lhes concederia uma remissão pelas suas penalidades? Da mesma maneira, nós, também, oferecemos orações a Ele por aqueles que faleceram, embora eles sejam pecadores. Não ornamos uma coroa, mas oferecemos a Cristo, que foi sacrificado pelos nossos pecados, e, assim, propiciamos o Deus benevolente a eles, assim como para nós mesmos.” {São Cirilo de Jerusalém, nas suas Catechetical Lectures (“Lições Catequéticas”) (c. 350 A.D.) [20]}.
  • “[...] não me enterre com perfumes. Não os dê a mim, mas a Deus. A mim, concebido em sofrimentos, sepultem com lamentações, e, em vez de perfumes, ajudem-me com suas orações; porque os mortos são beneficiados pelas orações dos Santos vivos.” {Santo Efraim (f. 373 A.D.) [21]}.
  • "Comemoramos os Santos Padres, e Bispos, e todos aqueles que faleceram entre nós, crendo que as súplicas que apresentamos serão de grande assistência para as suas almas, enquanto o tremendo e santo Sacrifício é oferecido [...]. Então, nós, ao ofertar uma coroa de orações em nome daqueles que faleceram, obteremos para eles o perdão por meio dos méritos de Cristo.” {São Cirilo de Jerusalém (f. 386 A.D.) [22]}.
  • Após a morte do imperador Teodósio, Santo Ambrósio ora: “Dá descanso perfeito ao teu servo Teodósio, aquele que preparaste aos teus Santos. Que possa a sua alma retornar de onde veio, onde não possa sentir o aguilhão da morte [...]. Eu o amei e, portanto, segui-lo-ei mesmo à terra dos viventes. Não o deixarei, com lágrimas e orações, até que o conduza [...] até o santo monte do Senhor.” {Santo Ambrósio (f. 397 A.D.) [23]}.
  • “Portanto, ó Deus do meu coração, agora te suplico pelos pecados da minha mãe. Ouve-me por meio do remédio das feridas que se penduram sobre o madeiro [...]. Que ela possa, então, estar em paz com o seu esposo [...]. E inspira, meu Senhor [...] teus servos, meus irmãos, a quem, com a voz, com o coração e com pena, sirvo, para que todos que lerem estas palavras possam lembrar-se, em Teu altar, de Mônica, a serva [...]” {Santo Agostinho, em suas Confessions (“Confissões”) (c. 400 A.D.) [24]}.
  • “Rezemos, também, pelo repouso das almas dos servos de Deus que faleceram e pelo perdão de todas as suas transgressões, deliberadas e não deliberadas [...]” {A Liturgia de São João Crisóstomo (f. 407 A.D.) [25]}
  • “Não foi sem uma boa razão ordenado pelos apóstolos que se deveria fazer menção aos mortos nos mistérios tremendos, porque eles sabiam bem que eles receberiam grande benefício disso” {São João Crisóstomo (f. 407 A.D.) [26]}.

Notas finais

[604] Cf. Concílio de Florença (1439): DS 1304; Concílio de Trento (1563: DS 1820; (1547): 1580; veja, também, Bento XII, “Benedictus Deus” (1336): DS 1000.

[605] Cf. 1 Cor. 3.15; 1 Pd. 1.7.

[606] São Gregório Magno, “Dial”. 4, 39: PL 77, 396; cf. Mt. 12.31.

[607] 2 Mc. 12.46.

[608] Cf. Concílio de Lyon II (1274): DS 856.

[609] São João Crisóstomo, “Hom.” In 1 Cor. 41, 5: PG 61, 361; cf. Jó 1.5.

[1] Cf. Catecismo da Igreja Católica, #1854.

[2] São Paulo escreve à comunidade cristã “salva” em Corinto (cf. 1 Cor. 1.1-3): “Então, não sabeis que os injustos não herdarão o Reino de Deus? Não vos enganeis a este respeito! Nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os pederastas, nem os ladrões, nem os gananciosos, nem os beberrões, nem os caluniadores, nem os rapaces herdarão o Reino de Deus.” (1 Cor. 6.9-10). Dizer que as pessoas que cometeram esses tipos de pecados não “herdarão o Reino de Deus”, claramente, aponta para o fato de que eles estão entre os pecados “que conduzem à morte” (mortais) aludidos em 1 João 5.16-17. Note que o Dicionário de Webster define fornicação como intercurso sexual humano diferente daquele entre um homem e a sua esposa. A fornicação, portanto, incluiria os atos do sexo pré-marital, do sexo extra-marital, do sexo homossexual, do incesto etc. . Esses atos, de acordo com a Escritura, são mortalmente pecaminosos e, a menos que se arrependa deles, poderiam muito bem causar a danação das almas das pessoas. 

[3] No Evangelho de Mateus, Jesus conclui Sua parábola sobre o devedor implacável: “E, cheio de cólera, seu senhor o entregou aos verdugos, até que pagasse tudo o que devia. Assim vos tratará meu Pai celeste, se cada um de vós não perdoar a seu irmão do fundo do coração” (Mt. 18.34-35). A partir das palavras de Jesus, é óbvio que uma pessoa que morre na falta de perdão não está pronta para entrar instantaneamente no Reino dos Céus.

[4] Alguns dos soldados judeus falecidos (que eram, aparentemente, além disso, fiéis na prática da sua fé) morreram enquanto usavam jóias que estavam associadas a deuses pagãos. 

[5] Note que, em nenhum lugar do Novo Testamento, Jesus condena ou mesmo critica a prática judaica predominante de rezar-se pelas almas dos mortos. Se os judeus estavam errados sobre uma questão teológica tão crucial como essa, Nosso Senhor teria, certamente, os corrigido. 

[6] Note que, em 2 Mc. 12.43, o dinheiro é coletado para ser enviado ao templo judeu a fim de que os serviços religiosos sejam prestados às almas dos mortos que morreram em pecados que não conduzem à morte (veniais). Podemos ver como os católicos oferecendo missas pelas almas dos falecidos são paralelos dessa prática antiga documentada na Escritura. 

Albert Nevins escreve: “Assim como São Paulo acrescenta os seus sofrimentos (Cl. 1.24) aos sofrimentos de Cristo por causa da Igreja, também, nós podemos acrescentar-lhes nossos sofrimentos e orações  para o bem de seus membros.” Cf. Albert Nevins, M.M., “Answering a Fundamentalist” (Huntington, IN: Our Sunday Visitor, Inc., 1990), pp. 91-92. 

[7] O converso católico David Currie escreve: “Embora o significado exato de 1 Coríntios 15.29 seja vivamente debatido, um fato é bastante claro. Os cristãos vivos podem fazer algo para beneficiar aquelas almas que já estão mortas: ‘Se não fosse assim, que intentariam os que se fazem batizar em favor dos mortos? Se, em todo caso, os mortos não ressuscitam, por que se fazem batizar em favor deles?’. Este versículo não faz, absolutamente, nenhum sentido a partir do conceito evangélico de Céu e de Inferno. Sem o Purgatório, o que poderia ser ganho por se fazer qualquer coisa para os mortos? Seu destino é inalterável. O ensino ininterrupto da Igreja tem sido o de que nossas orações beneficiam os cristãos mortos.” David B. Currie, “Born Fundamentalist Born Again Catholic”, (San Francisco, CA: Ignatius Press, 1996), p. 133.

[8] Cf. 1 Pd. 3.18-19. Note que existe um lugar de espera para que a plenitude da salvação aconteça. 

[9] Patrick Madrid, “Any Friend of God is a Friend of Mine”, (San Diego, CA: Basilica Press, 1996), pp. 68-70.

[10] Obviamente, os falecidos não estão mais no “tempo do calendário” como estão os vivos. O período de tempo de que estou falando é o tempo entre a morte de uma pessoa particular e a Segunda Vinda de Cristo no fim do mundo. 

[11] Cf. Rm. 10.1, Cl. 1.9-11.

[12] O Cardeal James Gibbons escreve: “Se, então, é proveitoso para você rezar por seu irmão na carne, por que seria inútil para você rezar por ele fora da carne? Enquanto ele estava vivo, você rezou não pelo seu corpo, mas pela sua alma” Cf. Cardeal James Gibbons, “The Faith of Our Fathers” (Rockford, IL: TAN Books and Publishers, Inc., 1980), p.183.

[13] Alan Schreck, “Catholic and Christian” (Ann Arbor, Michigan: Servant Books, 1984), pp. 195-196. Cf. também o capítulo 10 desse livro.

[14] Patrick Madrid, “Any Friend of God is a Friend of Mine”, pp. 66-68.

[15] Karl Keating (editor), “This Rock” Magazine “The Father’s Know Best” (San Diego, CA: Catholic Answers, Inc., May/June 1992, pp. 47-49.

[16] William A. Jurgens (editor and translator), “The Faith of the Early Fathers (Volume 1)”, (Collegeville, MN: The Liturgical Press, 1970), p. 151.

[17] Ibid., p. 158

[18] Karl Keating (editor), “This Rock” Magazine “The Father’s Know Best” (San Diego, CA: Catholic Answers, Inc., May/June 1992, pp.47-49.

[19] William A. Jurgens (editor and translator), “The Faith of the Early Fathers (Volume 1)”, p. 177.

[20] Ibid., p. 363.

[21] “The Faith of Our Fathers”, p. 177.

[22] Ibid., pp. 176-177.

[23] Ibid., p. 177.

[24] Ibid., p. 178.

[25] “Catholic and Christian”, p.198.

[26] “The Faith of Our Fathers”, p. 178.

[Tradução: Fábio Salgado de Carvalho; original: capítulo 11 do livro “Unabridged Christianity: Biblical Answers to Common Questions About the Roman Catholic Faith” (“Cristianismo Integral: Respostas Bíblicas a Questões Comuns Sobre a Fé Católica Romana”)]

domingo, 20 de novembro de 2016

Anátema (Jimmy Akin)

Concílio de Trento, pintura do Museo del Palazzo del Buonconsiglio, Trento

A palavra "anátema" é um dos termos mais mal compreendidos na apologética anticatólica. Quase todos os anticatólicos, do último inculto do espectro àqueles que dão a si ares de erudição, compreendem mal isso.

Por exemplo, no que diz respeito aos mais incultos no anticatolicismo, o artigo “Apostólico ou apóstata”, de Mike P. Gendron, afirma: “Muitos cristãos não sabem que os Concílios católicos de Trento e do Vaticano II emitiram mais de 100 anátemas [sic] (condenações) sobre qualquer um que crer que a salvação é somente pela graça, por meio da fé apenas, em Cristo apenas. Todas essas condenações ainda estão em vigor hoje.”.

O Gendron, obviamente, nunca leu Trento ou o Vaticano II. O Vaticano II não usou o termo “anátema” em qualquer um dos seus documentos. Enquanto os cânones de Trento usam o termo, não há, em parte alguma, algo perto de cem cânones dedicados ao assunto da salvação nem quaisquer cânones que, compreendidos adequadamente, condenam os três pontos da soteriologia que o Gendron nomeia.

Encontramos confusão similar sobre o termo entre aqueles que se apresentam como intelectuais. Em seu livro “The Roman Catholic Controversy” (“A Controvérsia Católica Romana”), James R. White, ao resumir os cânones de Trento sobre a Eucaristia, afirma que, de acordo com o Concílio, “qualquer um que nega a veracidade de qualquer uma dessas proclamações está sob o anátema de Deus” (164).

Quando eu li a declaração do White a um amigo conhecedor do assunto, ele se irrompeu a rir. Depois que ele se acalmou, ele sugeriu que, talvez, a declaração foi calculada para enganar aqueles que não sabiam como o termo anátema é usado, uma vez que é absurdo para aqueles que o sabem. Eu lhe disse, mantendo a caridade, que nós não deveríamos inferir que esse é um caso de fraude deliberada, mas apenas que ele expõe a ignorância do White e a sua determinação em tecer críticas sem uma pesquisa adequada.

Entretanto, seja como for, a presença generalizada entre anticatólicos de piadas como essas cometidas pelo Gendron e pelo White sugere que gastar algum tempo esclarecendo o significado e o uso do anátema é justificado.

Embora o termo seja grego, reflete um conceito que é encontrado no Antigo Testamento. O equivalente hebraico de anátema é “kherem”, que se refere a uma coisa devotada ao Senhor — uma coisa, solenemente, oferecida a Deus de um modo que, por vezes, envolve a sua destruição completa. “Kherem” é, freqüentemente, traduzido, em Inglês, pelos termos “coisa devotada”, “coisa dedicada” ou coisa colocada “sob a proibição”. O Antigo Testamento aplica “kherem” a objetos físicos (Dt. 7.26, 13.17), ao gado (1 Sm. 15.21), a pessoas individuais (1 Rs. 20.42), a grupos de pessoas (Is. 34.5, 43.28), a cidades inteiras (Js. 6.17) e a terras ou pedaços de terra (Lv. 27.21; Zc. 14.11; Ml. 4.6). Coisas a serem colocadas sob proibição pelos homens foram ou destruídas (Lv. 27.28) ou dadas aos sacerdotes (Nm. 18.14; Ez. 44.29). Uma terra sob proibição era uma terra que tinha sido amaldiçoada (Zc. 14.11; Ml. 4.6). Paradoxalmente, alguma coisa podia ser “kherem” ou porque era sagrada ou porque era profana.

O termo grego anátema compartilha algo desse paradoxo. Ele é derivado das raízes ana- ("em", "sobre", "entre", "no meio de") e tithemi ("colocar", "pôr", "definir"). Etimologicamente, a palavra sugere alguma coisa colocada entre coisas sagradas (i.e. , em um templo) — um sentido preservado em uma variante do termo anátema (Lucas 21.5). O anátema mais comum tem o sentido de uma maldição e é aplicado no Novo Testamento a uma maldição pela qual indivíduos unem-se (Atos 23.14), a indivíduos que rejeitam o verdadeiro Evangelho (Gl. 1.8-9), que não amam a Cristo (1 Cor. 16.22) ou que estão, de outra maneira, separados de Cristo (Rm. 9.6). Ele é aplicado, por falsos profetas blasfemadores, ao próprio Jesus (1 Cor. 12.3).

De interesse especial são os usos eclesiásticos de Paulo do anátema — Gálatas 1.8-9 e 1 Coríntios 16.22 — nos quais ele diz que, se uma pessoa é culpada de certas faltas, então, “seja anátema”. No mínimo, isso direcionou a comunidade cristã a olhar o ofensor com certo cuidado. Isso envolveu sua exclusão da comunidade, como, claramente, deve ser feito no caso de uma pessoa que pregue um falso evangelho. Tal exclusão — por conta de uma variedade de ofensas — é atestada em outras partes do Novo Testamento (e.g. , Mt. 18.15-18), e, freqüentemente, diz-se que se trata de uma “entrega [do ofensor] a Satanás” a fim de que ele possa sofrer, sem a proteção da Igreja, até que se dirija ao arrependimento (1 Cor. 5; 2 Cor. 2.5-11; Tt. 3.10).

Mais tarde, na história da Igreja, essa exclusão para provocar o arrependimento recebeu o nome de “excomunhão”. Originalmente, a Igreja não diferenciou excomunhão de anátema, razão pela qual os Concílios Ecumênicos definiram, tradicionalmente, os seus cânones dogmáticos usando a fórmula “Se alguém disser [...] que seja anátema”, significando que qualquer um que ensine a proposição condenada estará anatematizado ou cortado da sociedade cristã.

Entre os Concílios Ecumênicos, o uso começou com o primeiro Concílio de Nicéia (A.D. 325), que aplicou a fórmula àqueles que que negam a divindade de Cristo. Desde então, a fórmula foi usada por todos os Concílios Ecumênicos que proclamaram cânones dogmáticos (como o Vaticano II não proclamou cânones dogmáticos, ele nunca usou o termo anátema).

Com o tempo, uma distinção veio a ser feita entre excomunhão e anátema. A natureza precisa da distinção variou, mas, finalmente, fixou-se. Na época de Gregório IX (1370-1378), o termo anátema foi usado para descrever uma excomunhão importante que foi realizada com uma cerimônia solene pontifícia. Isso costumava envolver o toque de um sino, o fechamento de um livro e o apagamento de velas, significando, coletivamente, que a mais alta corte eclesiástica tinha se pronunciado e que não reconsideraria o assunto até que o indivíduo desse evidência de arrependimento.

Tais solenidades foram raras na história da Igreja. Elas permaneceram nos livros, entretanto, tão tardiamente como no Código de Direito Canônico de 1917, que previa que a “Excomunhão [...] chama-se anátema, especialmente, quando é imposta com as solenidades que estão descritas no Pontificale Romanum” (Codex Iuris Canonici (CIC) [1917] 2257 §§ 1-2).

A pena, no entanto, foi usada tão raramente que ela foi removida do Código de Direito Canônico de 1983. Isso significa que, hoje, a penalidade do anátema  não existe na lei da Igreja. O novo Código prevê que “Com a entrada em vigor deste Código, são ab-rogados: 1.° o Código de Direito Canónico promulgado no ano de 1917 [...] 3.º quaisquer leis penais, quer universais quer particulares, dimanadas da Sé Apostólica, a não ser que sejam recebidas neste Código” (CIC [1983] 6 §1). A penalidade do anátema não foi renovada no novo Código e, assim, foi revogada quando o Código entrou em vigor em 1º de janeiro de 1983.

Com isso como pano de fundo, a absurdidade das coisas ditas pelos anticatólicos sobre os anátemas pronunciados por Trento e por outros Concílios é evidente. Um sem número de erros estão onipresentes nos escritos anticatólicos:

1. “Um anátema sentencia uma pessoa o Inferno”. Esse não é o caso. Sentenciar alguém ao Inferno é um poder que apenas Deus, e não a Igreja, pode exercer.

2. “Um anátema era um sinal seguro de que uma pessoa iria para o Inferno”. Novamente, não é verdade. Os anátemas eram apenas justificados por pecados muito sérios, mas não existia nenhuma razão pela qual o ofensor não poderia arrepender-se e aqueles que se arrependessem não estariam condenados.

3. “Um anátema era um sinal seguro de que uma pessoa não estava em estado de graça”. Isso não é verdade por duas razões: (a) a pessoa pode ter se arrependido desde o momento em que o anátema foi emitido e (b) a pessoa poderia não estar em pecado mortal no momento em que o anátema foi proclamado.

Os Anátemas — como as penalidades impostas sob a lei civil — repousam no julgamento da corte, que deve tomar suas decisões baseadas na evidência apresentada. Ela não pode, diretamente, examinar a consciência do indivíduo em questão. Então, enquanto os anátemas eram impostos por conta de um comportamento, seriamente, pecaminoso, isso não era uma garantia de que ele era um pecado mortal. Para que um pecado sério torne-se mortal, ele deve ser cometido com a advertência e o consentimento necessários e, embora um ofensor possa dar toda a aparência dessas condições, eles podem não estar lá na realidade — por exemplo, por meio de algum impedimento cognitivo ou volitivo oculto.

4. “Os anátemas foram feitos para prejudicar o ofensor”. Não. Os anátemas eram, simplesmente, uma excomunhão importante realizada com uma cerimônia papal especial e, como em todas as excomunhões, o seu intuito era medicinal, não punitivo. O objetivo era proteger a comunidade cristã da propagação de doutrinas ou de comportamentos maléficos e levar o indivíduo a reconhecer a natureza das suas ações. Embora estar privado da comunhão da Igreja não seja saudável, isso não muda o fato de que a orientação fundamental das excomunhões e dos anátemas é medicinal, não punitiva.

5. “Os anátemas têm efeito automaticamente”. Embora a Igreja tenha penalidades que têm efeito automaticamente (latae sententiae), a penalidade do anátema não era uma delas.

Isso deveria ser óbvio pelo fato de que uma cerimônia pontifícia especial tinha de ser realizada como parte do anátema. Obviamente, o mero fato de que alguém profira uma heresia em alguma parte do mundo não faz o Papa, de repente, parar o que está fazendo para que realize um rito específico com respeito a essa pessoa. 

Os anátemas de Trento e de outros Concílios foram como a maioria das penalidades da lei civil, que apenas têm efeito por meio de processos judiciais. Se a lei civil prescreve a prisão para uma ofensa particular, aqueles que a cometem não aparecem, repentinamente, na cadeia. Da mesma forma, quando a lei eclesiástica prescreveu um anátema para uma ofensa particular, aqueles que a cometeram tinham de esperar até que o processo judicial estivesse completo antes que o anátema tivesse efeito.

6. “Os anátemas foram aplicados a todos os protestantes”. A absurdidade dessa acusação é óbvia pelo fato de que os anátemas não têm efeito automaticamente. O número limitado de horas que um dia tem, por si só, garantiria que apenas um punhado de protestantes poderia ter sido anatematizado. Na prática, a penalidade tendia a ser aplicada apenas aos ofensores católicos notórios que tinham uma pretensão de permanecer na comunidade católica.  

7. “Os anátemas ainda vigoram hoje”. Essa é a falsidade mais comum que encontramos no tocante aos anátemas nos escritos de anticatólicos. Eles não vigoram hoje. A penalidade foi empregada de maneira tão pouco freqüente ao longo do curso da história que é duvidoso que alguém sob um anátema estivesse vivo quando o novo Código de Direito Canônico foi promulgado, em 1983, quando até mesmo a penalidade, em si mesma, foi abolida.

8. “A Igreja não pode abolir os seus anátemas”. Os anticatólicos amam repetir essa falsidade por arroubos retóricos. Entretanto, novamente, não é verdade. A Igreja está livre para abolir qualquer penalidade ou lei eclesiástica que queira e aboliu essa em particular.

Como a penalidade foi abolida, uma palavra deveria ser dita sobre o status dos cânones conciliares que empregaram essa penalidade. Além de prescrever a imposição de uma penalidade jurídica, o modelo de frase do anátema (“seja anátema”), também, veio a ser uma das frases que a Igreja, tradicionalmente, usou para proclamar definições doutrinais. 

Estudiosos católicos têm, já faz algum tempo, reconhecido que, quando um Concílio Ecumênico aplica essa frase a uma matéria doutrinal, então, a matéria está esclarecida infalivelmente. (Se um Concílio aplica a frase a uma matéria disciplinar, então, a matéria não estaria liquidada infalivelmente, uma vez que apenas matérias de doutrina, não disciplinares, estão sujeitas à definição doutrinal.)

Então, quando Trento e outros Concílios Ecumênicos empregaram o modelo do anátema com respeito a matérias doutrinárias, não apenas uma penalidade judicial foi prescrita, mas uma definição doutrinal, também, foi estabelecida. Hoje, a penalidade judicial pode ter sido desfeita, mas a definição doutrinal permanece. Tudo o que foi decidido infalivelmente por esses Concílios ainda está infalivelmente resolvido.

Isso tem conseqüências sob a corrente lei canônica. Essas coisas que estão tanto divinamente reveladas por Deus quanto propostas como tal pela Igreja não podem ser obstinadamente negadas ou postas em dúvida sem que se incorra em heresia (CIC [1983] 751). A heresia traz consigo uma penalidade de excomunhão automática (latae sententiae) (can. 1041, 2º), embora isso não se aplique àqueles que nunca foram membros da Igreja Católica (can. 11), e, mesmo assim, há uma lista significativa de exceções (can. 1323).

Infelizmente, há pouca chance de que anticatólicos apaixonados como Gendron, White e numerosos outros ficarão atentos aos fatos, admitindo, abertamente, o seu erro, trabalhando, ativamente, para neutralizar o dano que causaram espalhando tanta desinformação sobre esse assunto. Um dia, no entanto — por Deus —, tudo isso será retificado.

[Tradução: Fábio Salgado de Carvalho; original: http://www.catholic.com/magazine/articles/anathema]

domingo, 6 de novembro de 2016

A repreensão de Pedro por Paulo prova que ele não era infalível? (Dave Armstrong)

Pedro e Paulo são retratados neste trabalho do século XVII de Guido Reni. A repreensão de Pedro por 
Paulo, em Gálatas 2, por hipocrisia no seu trato com os judeus mostra a diferença entre infalibilidade
— que os católicos atribuem ao Papa no ensino de matérias de fé e de moral — e impecabilidade,
ou a liberdade do cometimento de pecados pessoais. Foto da CNS.


São Paulo repreendeu São Pedro por hipocrisia. Os não católicos, às vezes, alegam que isso prova que Pedro não era infalível e que Paulo tem, no mínimo, a mesma autoridade que a de Pedro (então, o papado, em si mesmo, não constituía uma autoridade especial). Isso parece, entretanto, originar-se mais de um mal-entendido do que da própria doutrina.

Muitos parecem estar confusos sobre o ensinamento católico acerca do papado, erroneamente, pensando que, se os Papas estão protegidos pelo Espírito Santo do erro referente ao ensino, então, eles devem, portanto, ser seres humanos perfeitos também (e Pedro, manifestamente, não o era!). Isso se chama impecabilidade, e não infalibilidade. Para ilustrar essa objeção, não católicos, freqüentemente, citam a seguinte passagem:
Gálatas 2.9,11-14 (TEB): “e, reconhecendo a graça que me foi dada, Tiago, Cefas [Pedro] e João, considerados como colunas, deram-nos a mão, a mim e a Barnabé, em sinal de comunhão [...]. Mas quando Cefas veio a Antioquia, eu me opus a ele abertamente, pois assumira uma atitude errada. Com efeito, antes de chegarem os emissários de Tiago, ele tomava as refeições com os pagãos; mas depois da chegada deles, começou a subtrair-se e se manteve afastado, por receio dos circuncisos; e os outros judeus entraram em seu jogo, de tal sorte que o próprio Barnabé foi arrastado pela duplicidade deles. Mas quando vi que eles não andavam direito segundo a verdade do Evangelho, disse a Cefas diante de todos: ‘Se tu, que és judeu, vives à maneira dos pagãos e não à judaica, como podes obrigar os pagãos a se comportarem como judeus?’.”.

A hipocrisia e outras falhas humanas não são nada de novo. Pedro já tinha negado a Jesus três vezes; o próprio Paulo tinha perseguido cristãos antes da sua conversão; o rei Davi cometeu adultério e assassinato; Moisés assassinou um homem no começo de sua vida e assim por diante. Deus apenas tem pecadores com quem trabalhar, e trabalhar com eles é o que Ele faz de fato.

A Bíblia não nos oferece qualquer tipo de suporte para a noção de que líderes autênticos não deveriam ser obedecidos se eles cometem pecados, mesmo que sejam pecados habituais. O rei Davi não deixou de ser rei depois do cometimento dos seus pecados hediondos. Deus não quebrou a aliança que tinha estabelecido com ele.

O próprio Davi reconheceu a sublime autoridade do rei Saul quando este o perseguia, chamando Saul de “ungido” de Deus (1 Sm. 24.1-10; 26.1-11). Moisés não perdeu a sua autoridade depois de desobedecer a Deus (Dt. 32.51).

Jesus disse aos seus discípulos que obedecessem aos fariseus, mesmo que eles fossem hipócritas (Mt. 23.2-3). Paulo reconheceu a autoridade do sumo sacerdote judeu (Atos 23.1-5). Mesmo o (então pagão) governo civil não era apenas para ser obedecido, mas, também, honrado (Mt. 22.17-21; Rm. 13.1-7), assim ensinaram Jesus e Paulo.

O fracasso humano não tem nada a ver com a infalibilidade papal, que se aplica apenas em matéria de ensino definitivo concernente à fé e à moral, constituindo uma proteção divina, e nem o incidente em Antioquia sugere que Paulo tinha mais autoridade que Pedro. A maior autoridade de Pedro é implicada na referência de Paulo à capacidade de Pedro de “obrigar os pagãos a se comportarem como judeus”.

Um contra-argumento é o de que, se Paulo, de fato, sabia que Pedro era o primeiro “Papa” e líder da Igreja, certamente, ele teria saído da linha ao repreender Pedro em público dessa maneira, acusando-o de negligência grosseira e de não “andar direito segundo a verdade do Evangelho”.

Isso parece envolver mais do que, meramente, uma repreensão por hipocrisia. Portanto, assim nos dizem, Paulo não sabia que Pedro era o “Papa” porque isso não era verdade antes de tudo.

Esse contra-argumento também falha. Primeiramente, “falar a verdade a uma autoridade” não é um tema bíblico desconhecido (por exemplo, o profeta Natan repreende o rei Davi em 2 Sm. 12.1-15) e tampouco uma repreensão a um Papa no pensamento e história católicos é inconcebível. Grandes Santos como São Francisco e como Santa Catarina de Sena fizeram isso.

Não é sequer certo que Paulo estivesse totalmente certo e Pedro completamente errado. O preeminente estudioso protestante James D. G. Dunn escreveu sobre essa questão (“Unity and diversity in the New Testament, London: SCM Press, 2nd edition, 1990, 253-254) e assinalou que, por termos apenas o relato de Paulo, não podemos, finalmente, decidir quem estava certo e quem estava errado.

Dunn acredita que a evidência interna que a passagem fornece-nos sugere-nos que mesmo o próprio Paulo não pensou que ele estava correto decisivamente contra Pedro:

“Se Paulo tivesse vencido, e se Pedro tinha reconhecido a força do seu argumento, Paulo teria, certamente, notado isso, assim como ele tinha fortalecido a sua posição anterior ao notar a aprovação da “coluna dos apóstolos” em 2.7-10”.

Dunn vai até mais longe ao afirmar: “é muito provável que Paulo foi derrotado em Antioquia, que a Igreja, como um todo, em Antioquia, aliou-se a Pedro em detrimento de Paulo” (os itálicos são dele). Se isso é verdade, então, obviamente, o incidente não nos forneceria contraprova alguma para o papado. Dunn nota que Paulo, também, pareceu “mudar o seu tom” posteriormente:

“Dificilmente, pode passar despercebido que o conselho de Paulo a tais comunidades em 1 Cor. 8.10-13 e em Rm. 14.1 a 15.6 (para não mencionar a sua própria prática de acordo com Atos 21.20-26) está mais em consonância com a política de Pedro e de Barnabé em Antioquia do que de acordo com o seu próprio princípio fortemente redigido em Gl. 1.11-14!”.

Como conclusão, o “The new Bible Dictionary”, um trabalho de referência protestante, afirma:

“Gl. 2.11 em diante dá-nos um vislumbre de Pedro em Antioquia, a primeira igreja com membros significativos vindos do paganismo, compartilhando a comunhão à mesa com conversos gentios e, então, encontrando uma barreira de oposição entre judeus e cristãos, diante da qual ele se retira. Essa deserção foi arduamente denunciada por Paulo; no entanto, não há nenhum sinal de qualquer diferença teológica entre eles e a queixa de Paulo está mais relacionada à incompatibilidade entre a prática de Pedro com a sua teoria. A teoria antiga [...] da persistente rivalidade entre Paulo e Pedro tem pouca base nos documentos (Organizing editor: J. D. Douglas, Grand Rapids, Michigan, Eerdmans Publishing Co. , 1962; article “Peter”, written by A. F. Walls, 973).


domingo, 30 de outubro de 2016

Sobre as doentias comemorações no dia da Reforma Protestante


Há muitos anos, quando ainda era protestante, percebi que comemorar o dia da Reforma Protestante, no dia 31 de outubro, é algo completamente doentio. Tempos atrás, o Anderson Torres, que é protestante, a quem conheci pelas redes sociais, fez uso de uma analogia que fui aperfeiçoando com o passar dos anos. Exagerei-a, em vários detalhes, para favorecer a visão histórica dos protestantes; obviamente, os católicos têm uma concepção sobre a história completamente diferente.

Suponha que um filho saiu de sua casa. Ele não apenas saiu de casa, mas fez isso de maneira justificada: ele era constantemente agredido — seu pai era bêbado, agredia toda a família, incluindo a sua mãe e os seus irmãos. Cansado daquilo tudo, ele fugiu de casa no dia 31 de outubro. Depois desse evento, todos os anos, ele solta fogos de artifício comemorando aquele dia. Como se isso não fosse suficiente, ele ensinou os seus filhos a fazerem a mesma coisa, de modo que se tornou uma tradição comemorar o dia em que ele fugiu de casa.

Agora, expliquem-me: que sujeito, em sã consciência, com o pleno funcionamento das suas capacidades cognitivas, em vez de lamentar, com tristeza, o incidente que ocorreu na sua vida, que o levou a sair de casa, comemora, anualmente, o fato de que ele abandonou a sua casa?

Em 27 anos freqüentando meios protestantes de todo tipo, eu nunca vi nenhum protestante falando sobre o episódio com tristeza; em contrapartida, nós, católicos, oramos, diariamente, pela união da Igreja e pelos nossos irmãos separados. Olhamos com verdadeira tristeza todos os episódios da história em que houve dissensões na Igreja, incluindo a separação dos nossos irmãos ortodoxos; entretanto, os protestantes vivem fazendo festa por isso. Se essa atitude não é, no mínimo, doentia, não sei mais o que ela pode ser.

O dia da Reforma não deveria ser um dia de comemoração ou de "ação de graças" — algumas igrejas chegam ao cúmulo do absurdo ao fazer cultos em ação de graças pelo dia da Reforma! —, mas um dia para todos os cristãos chorarem por não terem conseguido seguir aquilo que o apóstolo Paulo recomendou-nos:
"Rogo-vos, porém, irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que digais todos a mesma coisa, e que não haja entre vós divisões, para que sejais unidos no mesmo sentir e no mesmo parecer. [1Cor 1.10]
A oração de Jesus Cristo pelos crentes era para que fôssemos um a fim de que o mundo pudesse reconhecê-lO em nós:
"Minha oração não é apenas por eles [seus discípulos]. Rogo também por aqueles que crerão em mim, por meio da mensagem deles, para que todos sejam um, Pai, como tu estás em mim e eu em ti. Que eles também estejam em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste. Dei-lhes a glória que me deste, para que eles sejam um, assim como nós somos um: eu neles e tu em mim. Que eles sejam levados à plena unidade, para que o mundo saiba que tu me enviaste, e os amaste como igualmente me amaste.". [Jo. 17.20-23]
Jesus Cristo alertou-nos para o fato de que "todo reino dividido contra si mesmo será arruinado, e toda cidade ou casa dividida contra si mesma não subsistirá." [Mt. 12.25].

Em Judas 1.19, lemos que quem causa divisões entre os cristãos segue a tendência da sua própria alma e não têm o Espírito.

Aos gálatas, em Gálatas 5.20, São Paulo enumera a discórdia, a dissensão e as facções entre as obras da carne.

Se, mesmo depois disso tudo, você ainda quiser soltar rojões por pecado tão grave, esteja à vontade, mas tenha plena consciência do que está fazendo.

A regeneração batismal: mais evidência bíblica (Dave Armstrong)


Photograph by Kai Stachowiak [PublicDomainPictures.Net]

Ao defender o Catolicismo no curso de discussões amigáveis com protestantes irmãos em Cristo, deparo-me com novos argumentos e maneiras de ver as coisas por conta das contestações.

Depois de dizer que argumentaria a partir daquilo que Jesus disse, escrevi-lhe: "tudo bem: eu também!", citando passagens que se referiam a casas inteiras sendo batizadas (Atos 16.15, 16.33, 18.8; 1 Cor. 1.16).

A parte mais interessante do nosso diálogo, entretanto, diz respeito à regeneração batismal. O meu amigo pastor argumentou que, tanto no caso de Atos 16.15 quanto no caso de Atos 16.33, o contexto indicava que havia fé antes do batismo. Eu, rapidamente, concedi-lhe esse ponto, mas o fiz notar que:
"Para o crente adulto, essa fé irá preceder o batismo. Na Igreja Católica, aqueles que são nela recebidos que nunca foram batizados fazem uma profissão de fé antes de receberem o Sacramento, de modo que não é diferente do 'batismo do crente' batista. Isso, entretanto, não exclui os infantes de também receberem o batismo.".
Ele trouxe à tona o versículo "evangélico" protestante clássico de João 3.16 e disse-me que era estranho que o batismo não fosse mencionado nele se, de fato, era tão crucial para a salvação. Contra-argumentei com Marcos 16.16 ("Quem crer e for batizado será salvo").

Além disso, São Pedro, ao pregar o evangelho no primeiro sermão cristão, em Atos 2, no dia de Pentecostes, incluiu o batismo em toda o seu anúncio: "Arrependam-se, e cada um de vocês seja batizado em nome de Jesus Cristo para perdão dos seus pecados" (Atos 2.38). Romanos 6.3-6, diretamente, conecta o batismo com a reconciliação da mesma forma. Gálatas 3.27 ensina-nos que os batizados "revestiram-se de Cristo".

O batismo produz regeneração como agente ou como meio. Não é, meramente, um ato simbólico após uma regeneração que já ocorreu: "[...] para perdão dos seus pecados [...]". Pedro deixa a idéia da salvação pelo batismo ainda mais clara em 1 Pedro 3.18-21. O eunuco etíope, em Atos 8, também foi batizado assim que aceitou plenamente o evangelho.

Para os batistas e para muitos protestantes de diferentes denominações, está-se, realmente, salvo antes do recebimento do batismo; então, o (simbólico) batismo (para adultos) ocorre depois como um ato de obediência e de gratidão.

Examinemos isso. A primeira coisa que São Paulo fez sobre a sua espetacular conversão foi batizar-se. O que esse batismo faz? Aqui, está o seu próprio relato acerca das palavras de Ananias dirigidas a ele:
Atos 22.16: "[...] Levante-se, seja batizado e lave os seus pecados, invocando o nome dele.".
Seria preciso um esforço artificial e eisegético para desvincular o "lavar" aqui do batismo. Isso é claramente uma regeneração batismal, expressamente, ensinada pelo apóstolo Paulo. O meu amigo pastor observou que a crença precedeu o batismo nesse relato e em outros porque, na teologia batista, deve-se sempre se estar consciente do que significa o batismo. Os batistas, no entanto, negam a regeneração batismal.

Podemos, contudo, fazer também uma distinção cronológica adicional em termos do arrependimento, da crença e do batismo recebido para perdão dos pecados e para a salvação (regeneração). Esta é a ordem em Atos 2.38-39:

1) arrependimento;

2) batismo;

3) perdão dos pecados;

4) recebimento do Espírito Santo.

Uma pessoa (na idade da razão) deve arrepender-se para ser salva (nós concordamos, totalmente, com os batistas sobre isso), mas, certamente, se ainda não houve o perdão dos pecados (reconciliação) ou a infusão do Espírito Santo (a quem todos os cristãos crentes têm), não se é ainda um cristão que se tornou amigo e filho de Deus em razão da Sua Graça e essa é a ordem das coisas como encontramos em Atos 2.38-39, como mencionamos acima.

O mesmo se dá com o apóstolo Paulo em Atos 22.16. Ele é batizado e, então, os seus pecados são lavados, o que tem de ocorrer a fim de que ele seja salvo no sentido e no tempo do termo (como os católicos diriam, em estado de graça com Deus e na ausência de pecado mortal) e regenerado. Esses dois casos contradizem, diretamente, o esquema batista e mostram como a regeneração ocorre.

O batista alega que o perdão dos pecados/a reconciliação e recebimento do Espírito Santo e a regeneração precedem o batismo em um adulto; entretanto, o que vemos nesses dois exemplos escriturísticos, consideravelmente, claros é o oposto. Essas coisas seguem-se do batismo e são causadas, diretamente, por ele como um sacramento.

Apresento-lhes, com todo o devido respeito, esses exemplos evidentes em que o ensino católico mostra-se em completo acordo com a Bíblia, enquanto a teologia protestante (neste caso, a versão batista) choca-se com ela diretamente. A maior parte dos protestantes crê que age de boa fé e com intenções retas. Trata-se, simplesmente, de uma questão de tornar-se mais familiarizado com o pensamento bíblico muito mais profundo da tradição católica. Esta é a nossa tarefa: compartilhar com todos, sem restrições, as riquezas que temos, graciosamente, recebido como católicos.

[Tradução: Fábio Salgado de Carvalho; original:

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

A Igreja apostólica, hierárquica e visível (Dave Armstrong)



No Credo Niceno, que é aceito pela maioria dos cristãos, a Igreja cristã é descrita como sendo “Una, Santa, Católica e Apostólica”. Essas características são conhecidas como as quatro marcas da Igreja. As noções de santidade e de catolicidade não estão muito em disputa. A marca de santidade pode ser definida como a posse e disseminação do sublime, santo e cristocêntrico código moral do Cristianismo — melhor exemplificado pelos Santos ou, de outro modo, por grandes personagens divinos. Todas as partes — enquanto discordem em muitas questões particulares — concordam que essa é a função central da catolicidade da Igreja, simplesmente, significando que ela seja universal. Aqui, protestantes e católicos discordam, unicamente, sobre a natureza daquela Igreja que é considerada universal e abrangente.

Isso nos leva à unicidade e à apostolicidade da Igreja, em que as discordâncias são enormes de fato. Muitos protestantes, especialmente os evangélicos, vêem a unidade e a unicidade subsistindo, primariamente, ou unicamente, na interna, invisível e espiritual unidade daqueles que estão, de fato, em Cristo, em virtude de serem justificados, ou nascidos de novo, ou regenerados, com ou sem batismo, dependendo da denominação. Para eles, a igreja consiste em ter o Espírito Santo, em ser um eleito predestinado, em ser aquele que perseverará e está salvo agora e na eternidade.

A Igreja Católica tem sempre proclamado essa característica unificadora, também, sob o amplo e rico conceito de Igreja Mística (sob o qual ela reconhece o Protestantismo), ainda que não ponha a Igreja Mística contra a Igreja institucional ou visível como muitos evangélicos fazem. Para os católicos, então, essa característica da unicidade está, substancialmente, relacionada aos aspectos organizacionais e práticos da eclesiologia. Os católicos crêem que a Igreja é tanto um organismo como uma organização, e não apenas o primeiro. As "igrejas" místicas e visíveis são como dois círculos que, em grande parte, intersectam-se, mas que não coincidem. Elas existem, conjuntamente — de um modo um tanto quanto paradoxal, que carrega uma tensão consigo —, até o "fim dos tempos". Que tipo, entretanto, de organização é a Igreja, que abrange em si esses dois aspectos (assim como muitos outros)?

Nesse ponto da discussão, os católicos apelam à natureza hierárquica ou episcopal (isto é, sob a jurisdição de Bispos) de governo da Igreja. Além disso, os católicos sustentam que essa forma é bíblica e divinamente instituída, não sendo, portanto, opcional ou de importância teológica secundária.

Finalmente, os católicos crêem que os Bispos são — devido ao próprio desejo de Jesus Cristo — os sucessores dos Apóstolos (o conceito de sucessão apostólica). Essa é a metodologia por meio da qual a Igreja Católica remonta a si mesma, historicamente, a uma sucessão ininterrupta, aos Apóstolos e à Igreja primitiva. O Catolicismo, então, enfatiza bastante tanto a continuidade histórica quanto a doutrinal, enquanto os protestantes evangélicos estão mais preocupados com a manutenção da paixão, de um comprometimento intenso e de um zelo que estavam presentes nos Apóstolos e nos primeiros cristãos, estando menos interessados em formas de governo ou em doutrinas que são, hoje, vistas como “distintivamente” católicas. Eles tendem a ver, claramente, na Bíblia e na Igreja primitiva essas doutrinas com as quais concordam, mas ignoram aquelas que estão em maior concordância com o Catolicismo, tais como o episcopado, o Purgatório e a apostolicidade.

Examinaremos as marcas da Igreja das quais os protestantes (apesar de muitas exceções), em grande parte, discordam: a sua visibilidade, a hierarquia dos Bispos, a sucessão apostólica e questões afins, como a ordenação, os deveres dos sacerdotes e o sectarismo. A maioria dessas questões está relacionada, em último caso, com a autoridade "per se". Os protestantes enfatizam a autoridade bíblica e os católicos, a liderança eclesiástica e episcopal e a Tradição. Se a Bíblia, entretanto, aponta-nos para a última e encoraja-nos a sermos submissos a ela, então, os dois tipos de autoridade não podem (biblicamente) estar em oposição.

Um dos aspectos inegáveis da unidade e da unicidade na Bíblia é a advertência constante (especialmente nos escritos de São Paulo) contra (e proibindo) as divisões, cismas e o sectarismo, seja por meio de discursos ou por meio de maus exemplos (Mateus 12.25, 16.18, João 10.16, 17.20-23, Atos 4.32, Romanos 13.13, 16.17, 1 Coríntios 1.10-13, 3.3-4, 10.17, 11.18-19, 12.12-27, 14.33, 2 Coríntios 12.20, Gálatas 5.19-21, Efésios 4.3-6, Filipenses 1.27, 2.2-3, 1 Timóteo 6.3-5, Tito 3.9-10, Tiago 3.16, 2 Pedro 2.1). Isso, claramente, não é algo periférico. Mesmo Nosso Senhor faz da unidade um meio pelo qual o mundo poderia crer que o Pai mandou o Seu Filho (João 17.21,23) e ora para que ela seja tão profunda como a própria unidade encontrada na Trindade (João 17.21-22). São Paulo faz da provocação de divisão um possível motivo para exclusão da comunidade cristã (Romanos 16.17) e diz que as divisões (já vigentes naqueles tempos) dividem a Cristo (1 Coríntios 1.13). Esse sempre tem sido um dos pontos fortes da posição católica contra o Protestantismo e os próprios protestantes estão, cada vez mais, preocupados com aquilo que eles consideram ser uma escandalosa associação entre o denominacionalismo e o sectarismo, que todos concordam que é condenado nas Escrituras.

Uma das motivações sinceras e, aparentemente, razoáveis para a formação de uma nova seita é o desejo de apartar-se de pecadores e do pecado, que pode infectar os outros. A Bíblia, contudo, claramente, ensina que a Igreja (especialmente no seu sentido institucional) é composta tanto por santos quanto por pecadores, por bons e por ruins. Vemos isto de maneira indiscutível em várias parábolas de Jesus sobre o Reino dos Céus (isto é, a Igreja), tais como a parábola do joio e do trigo, em que Jesus afirma que eles crescerão juntos até o Juízo Final ou até os últimos tempos (Mateus 13.24-30; cf. Mateus 3.12). Ele compara a Igreja a uma rede de pesca que captura peixes bons e ruins, que serão separados, posteriormente (Mateus 13.47-50), e a um banquete de casamento, no qual um convidado foi retirado para as trevas (Mateus 22.1-14). Esta parábola termina com uma famosa frase: "muitos são chamados, mas poucos são escolhidos”, o que poderia ser interpretado como a distinção entre cristãos mornos, mortos ou nominais e aqueles, realmente, eleitos que serão salvos no final. Ambos estão presentes na Igreja de acordo com Jesus. Um estado de coisas semelhante pode ser visto nas parábolas das dez virgens (Mateus 25.1-13) e dos talentos (Mateus 25.14-30) e a descrição de Jesus dos cristãos e da Igreja como uma cidade edificada sobre um monte (Mateus 5.14, cf. 5.15-16) é uma referência óbvia à visibilidade da Igreja. De nenhum modo, essa cidade pode ser vista como sendo invisível.

Jesus escolheu Judas como Seu discípulo, mesmo conhecendo o futuro, e ele era, verdadeiramente, um Apóstolo (Mateus 10.1,4; Marcos 3.14; João 6.70-71; Atos 1.17). Da mesma forma, São Paulo, dirigindo-se aos anciãos (Atos 20.17), afirma que o próprio Espírito Santo fez deles bispos (RSV, guardiões; no Grego, episkopos — Atos 20.28), mesmo que entre esses mesmos homens surgissem hereges e cismáticos (Atos 20.30). Esse pensamento tem ecos no versículo que se assemelha a uma parábola em 2 Timóteo 2.20 (veja também 2.15-19).

Os protestantes costumam citar a analogia de Jesus da ovelha e do pastor (João 10.1-16; cf. 2 Timóteo 2.19; 1 João 2.19) que se reconhecem (10.14) como evidência de que a Igreja consiste apenas dos eleitos. No entanto, a analogia é desfeita quando, também, encontramos, nas Escrituras, aplicações do termo "ovelha" a reprovados não salvos (Salmo 74.1), a perdidos (Salmo 119.176), a Israel como uma nação (Ezequiel 34.2-3, 13, 23, 30) e, de fato, a todos os homens (Isaías 53.6).

Outras passagens pressupõem uma Igreja visível, identificável e “concreta”, como Mateus 18.15-17, em que os crentes são exortados por Nosso Senhor a trazer irmãos errantes e obstinados à Igreja, que, então, determinará para eles um veredito apropriado. Isso seria contrário ao teor do Novo Testamento se fosse uma referência apenas a uma igreja local — tal cenário iria conduzir-nos a conseqüências totalmente avessas à prática (em que o pecador, simplesmente, freqüentaria outra denominação e seguiria em frente com a sua vida, como ocorre, tragicamente, em muitos casos no dia de hoje.

São Paulo, ainda, em 1 Timóteo 3.15, descreve a “Igreja do Deus vivo” como sendo um “pilar e baluarte da verdade”. Essa declaração não faz o menor sentido no contexto de denominações que competem entre si e que, muitas vezes, são contraditórias entre si. Onde um religioso sincero, desinformado e sem qualquer sofisticação encontraria essa verdade? Apenas em um contexto doutrinal em que houvesse real visibilidade e unicidade de doutrina esse versículo pode ter qualquer possibilidade de aplicação prática.

Também é um equívoco tratar São Paulo como se ele fosse algum tipo de “cavaleiro solitário” espiritual, que estivesse, por sua própria conta, sem qualquer lealdade eclesiástica particular, uma vez que ele foi comissionado, pelo próprio Jesus, como um Apóstolo. Na sua experiência de conversão, Jesus disse a Paulo que ele seria informado acerca do que deveria fazer (Atos 9.6; cf. 9.17). Ele foi ver São Pedro em Jerusalém por quinze dias para ser confirmado em seu chamado (Gálatas 1.18) e, catorze dias depois, ele foi comissionado por Pedro, Tiago e João (Gálatas 2.1-2, 9). Ele, também, foi enviado à igreja de Antioquia (Atos 13.1-4), que estava em contato com a igreja de Jerusalém (Atos 11.19-27). Mais tarde, Paulo reportou-se de volta a Antioquia (Atos 14.26-28).

O Novo Testamento refere-se, basicamente, a três tipos de ofícios permanentes na Igreja (Apóstolos e profetas não existiriam mais): Bispos (episkopos), Anciãos (presbyteros, dos quais derivam os presbíteros e padres), e diáconos (diakonos). Os Bispos são mencionados em Atos 1.20, 20.28; Filipenses 1.1; 1 Timóteo 3.1-2; Tito 1.7 e 1 Pedro 2.25. Os presbíteros (por vezes, "Anciãos") aparecem em passagens como Atos 15.2-6, 21.18, Hebreus 11.2, 1 Pedro 5.1 e 1 Timóteo 5.17. Os protestantes vêem esses líderes como sendo análogos aos correntes pastores dos dias de hoje, enquanto os católicos vêem-nos como sacerdotes. Os diáconos (por vezes, "ministros" em algumas traduções inglesas) são mencionados, de maneira semelhante, como sendo cristãos anciãos com freqüência similar (por exemplo, 1 Coríntios 3.5; Filipenses 1.1; 1 Tessalonicenses 3.2; 1 Timóteo 3.8-13).

Como, freqüentemente, costuma ser o caso na teologia e na prática entre os primeiros cristãos, existe alguma fluidez e sobreposição entre as três vocações (por exemplo, compare Atos 20.17 com 20.28; 1 Timóteo 3.1-7 com Tito 1.5-9). Isso, entretanto, não prova que os três ofícios de ministros não existam. Por exemplo, São Paulo, freqüentemente, refere a si mesmo como sendo um diácono ou ministro (1 Coríntios 3.5, 4.1; 2 Coríntios 3.6, 6.4, 11.23; Efésios 3.7, Colossenses 1.23-25), ainda que ninguém afirme que ele era, meramente, um diácono, e nada mais além disto. De modo semelhante, São Pedro chamam a si mesmo como sendo um membro Ancião (1 Pedro 5.1), muito embora Jesus chame-o de rocha sobre a qual Ele construiria a Sua Igreja e dê somente a ele as “chaves do Reino dos Céus” (Mateus 16.18-19). Esses exemplos são, usualmente, indicativos de uma humildade saudável em concordância com as injunções de Cristo sobre a servidão (Mateus 23.11-12; Marcos 10.43-44).

Após observação mais atenta, claras distinções acerca do ofício surgem e a natureza hierárquica do governo da Igreja no Novo Testamento emerge. Os Bispos são sempre referidos no singular, enquanto os Anciãos são, geralmente, tratados no plural. A primeira controvérsia entre os cristãos tem a ver com a natureza e com as funções tanto de Bispos como dos Anciãos (os diáconos têm, amplamente, os mesmos deveres tanto entre protestantes quanto entre os católicos).

Os católicos alegam que os Anciãos/presbíteros, nas Escrituras, realizam todas as funções de um sacerdote católico:

1) são enviados e comissionados por Jesus (a noção de ser chamado): Marcos 6.7; João 15.5, 20.21; Romanos 10.15; 2 Coríntios 5.20;

2) são representantes de Jesus: Lucas 10.16; João 13.20;

3) têm autoridade para ‘ligar’ e ‘desligar’ (Penitência e Absolvição): Mateus 18.18 (compare com Mateus 16.19)

4) têm poder para perdoar os pecados no nome de Jesus: Lucas 24.47; João 20.21-23; 2 Coríntios 2.5-11; Tiago 5.15;

5) têm autoridade para administrar a Penitência: Atos 5.2-11; 1 Coríntios 5.3-13; 2 Coríntios 5.18; 1 Timóteo 1.18-20; Tito 3.10;

6) têm poder de conduzir a Eucaristia: Lucas 22.19; Atos 2.42 (compare com Lucas 24.35; Atos 2.46, 20.7; 1 Coríntios 10.16);

7) ministram Sacramentos: 1 Coríntios 4.1; Tiago 5.13-15;

8) realizam batismos: Mateus 28.19; Atos 2.38,41;

9) são ordenados: Atos 14.23; 1 Timóteo 4.14; 5.23;

10) pastoreiam: Atos 20.17,28; Efésios 4.11; 1 Pedro 5.1-4;

11) pregam e ensinam: 1 Timóteo 3.1-2, 5.17;

12) evangelizam: Mateus 16.15, 28:19-20; Marcos 3.14; Lucas 9.2, 6, 24.47; Atos 1.8;

13) curam: Mateus 10.1; Lucas 9.1-2,6;

14) expulsam demônios: Mateus 10.1; Marcos 3.15; Lucas 9.1;

15) ouvem confissões: Atos 19.18 (compare com Mateus 3.6; Marcos 1.5; Tiago 5.16; 1 João 1.8-9; pressuposto em João 20.23);

16) vivem o celibato se chamados a isto: Mateus 19.12; 1 Coríntios 7.7-9,20,25-38 (especialmente 7.35);

17) desfrutam da presença perpétua de Cristo e de Sua assistência de um modo especial: Mateus 28.20.

Os protestantes — seguindo Lutero — citam 1 Pedro 2.5,9 (veja, também, Apocalipse 1.6) a fim de provar que todos os cristãos são sacerdotes. Isso, entretanto, não exclui a existência de alguém que seja, especialmente, ordenado, que receba um ordenamento sacramental, uma vez que São Pedro estava reproduzindo a linguagem de Êxodo 19.6, onde os judeus foram descritos dessa forma. Uma vez que os judeus tinham um sacerdócio levítico separado, por analogia, 1 Pedro 2.9 não pode, logicamente, excluir um sacerdócio ordenado neotestamentário. Esses textos estão preocupados com a santidade sacerdotal em oposição à função sacerdotal. Em sentido universal, por exemplo, nunca se referem à Eucaristia ou aos Sacramentos. Cada cristão é um pastor em termos da oferta de sacrifícios de oração (Hebreus 13.15), de esmolas (Hebreus 13.16) e da fé em Jesus (Filipenses 2.17).

Os Bispos (episkopos) têm todos os poderes, deveres e jurisdição dos padres, com as seguintes importantes responsabilidades que se seguem:

1) jurisdição sobre os padres e as igrejas locais e o poder de ordenar padres: Atos 14.22; 1 Timóteo 5.22; 2 Timóteo 1.6; Tito 1.5;

2) responsabilidade especial em defender a fé: Atos 20.28-31; 2 Timóteo 4.1-5; Tito 1.9-10; 2 Pedro 3.15-16;

3) poder para repreender falsas doutrinas e para excomungar: Atos 8.14-24; 1 Coríntios 16.22; 1 Timóteo 5.20; 2 Timóteo 4.2; Tito 1.10-11;

4) poder para conceder a Confirmação (o recebimento da habitação do Espírito Santo): Atos 8.14-17, 19.5-6;

5) gestão das finanças da Igreja: 1 Timóteo 3.3-4; 1 Pedro 5.2.

Na Septuaginta (a tradução grega do Antigo Testamento), episkopos é usado para denotar vários sentidos, como, por exemplo: oficiais (Juízes 9.28, Isaías 60.17), supervisores de fundos (2 Crônicas 34.12,17), superintendentes de sacerdotes e de levitas (Neemias 11.9; 2 Reis 11.18) e aqueles que tinham funções no templo e relacionadas ao tabernáculo (Números 4.16). Deus é chamado de episkopos em Jó 20.29, referindo-se ao Seu papel como Juiz e Cristo é um episkopos em 1 Pedro 2.25 (RSV: "pastor e guardião de nossas almas").

O Concílio de Jerusalém (Atos 15.1-29) dá testemunho de uma estrutura de governo episcopal hierárquica definitiva na Igreja primitiva. São Pedro, o chefe mais velho (o ofício de Papa) da Igreja inteira (1 Pedro 5.1; cf. João 21.15-17), presidiu e emitiu o pronunciamento autoritativo (15.7-11). Então, Tiago, Bispo de Jerusalém (como uma espécie de prefeito anfitrião da conferência) dá a sua anuência (Atos 15.14) com um proferimento conclusivo (15.13-29). Que Tiago era o único Bispo "monárquico" de Jerusalém é bastante evidente nas Escrituras (Atos 12.17, 15.13,19,21.18; Gálatas 1.19,2.12). Esse fato é, também, atestado pelo primeiro historiador cristão Eusébio (História da Igreja, 7:19).

Muita evidência histórica e patrística também existe para o bispado de São Pedro em Roma. Ninguém contesta o fato de que São Clemente (101 d.C.) foi o único Bispo de Roma um pouco mais tarde, ou que Santo Inácio (110 d.C.) foi o Bispo de Antioquia, começado por volta de 69 d.C. . Então, o Bispo "monárquico" é tanto um conceito bíblico quanto um fato indiscutível na Igreja primitiva. No momento em que chegamos a meados do segundo século, praticamente, todos os historiadores sustentam que cada um dos Bispos lidera cada comunidade cristã. Isso deveria ser o caso em toda a cristandade, no Ocidente e no Oriente, até que Lutero delegou esse poder aos príncipes seculares, no século 16, e a tradição anabatista evitou um ofício eclesiástico completamente ou em grande parte. Hoje, muitas denominações não têm nenhum Bispo de qualquer natureza.

Pode-se admitir tudo o que acabamos de mencionar como sendo verdadeiro, mas ainda se negando a sucessão apostólica, por meio da qual esses ofícios são transmitidos, ou legados, ao longo de gerações e de séculos por meio da Sagrada Tradição. Essa crença, entretanto, da Igreja Católica (juntamente com a Ortodoxia Oriental e com o Anglicanismo) é, também, baseada nas Escrituras:

São Paulo ensina-nos (Efésios 2.20) que a Igreja é construída sob a fundação dos Apóstolos, a quem o próprio Cristo escolheu (João 6.70; Atos 1.2,13; cf. Mateus 16.18). Em Marcos 6.30, os doze discípulos originais de Jesus são chamados de Apóstolos e Mateus 10.1-5 e Apocalipse 21.14 falam dos doze Apóstolos. Depois que Judas desertou, os onze Apóstolos remanescentes indicaram o seu sucessor, Matias (Atos 1.20-26). Uma vez que Judas é chamado de Bispo ("episkopos") nessa passagem (1.20), então, por expansão lógica, todos os Apóstolos podem ser considerados Bispos (embora sejam de um tipo extraordinário).

Se os Apóstolos são Bispos, e um deles foi substituído por outro, após a morte, ressurreição e ascensão de Cristo, nós temos, então, um exemplo explícito de uma sucessão apostólica na Bíblia, que se deu antes de 35 d.C. . De modo semelhante, São Paulo parece passar o seu ofício a Timóteo (2 Timóteo 4.1-6), pouco antes de sua morte, por volta de 65 d.C. . Essa sucessão mostra uma equivalência autoritativa entre os Apóstolos e Bispos, que são sucessores dos Apóstolos. Como um corolário, somos, também, informados, nas Escrituras, de que a Igreja, em si mesma, é perpétua, infalível e indefectível (Mateus 16.18; João 14-26; 16.18). Por que a Igreja primitiva seria configurada de uma forma e a Igreja tardia de outra maneira?

Toda essa informação bíblica está em harmonia com as visões eclesiológicas da Igreja Católica. Houve algum desenvolvimento ao longo dos séculos, mas, em essência, a Igreja bíblica e o Clero e a Igreja Católica e o Clero são uma só coisa.

A evidência histórica dos primeiros cristãos, depois, dos Apóstolos e dos Pais da Igreja é, totalmente, cogente também: existe consenso praticamente unânime quanto à natureza episcopal, hierárquica e visível da Igreja, que procede com autoridade, ao longo da história, em virtude da sucessão apostólica.

São Clemente, Bispo de Roma (101 d.C.), ensina a sucessão apostólica por volta de 80 d.C. (Epístola aos Coríntios, 42:4-5, 44.1:3) e Santo Irineu é um testemunho muito forte e advogado dessa Tradição nas duas últimas décadas do segundo século (Contra as Heresias, 3:3:1,4,4:26:2,5:20:1,33:8). Eusébio, o primeiro historiador da Igreja, na sua História da Igreja, c. 325, começa dizendo que uma das "principais questões" a serem tratadas na sua obra é a questão das "linhas de sucessão dos Santos Apóstolos..." (tr. G. A. Williamson, Baltimore: penguin Books, 1965, 31).

No tocante ao triplo ministério dos Bispos, padres (Anciãos/presbíteros) e diáconos, Santo Inácio, Bispo de Antioquia, oferece-nos um memorável testemunho por volta do ano 110 (Letter to the Magnesians, 2, 6:1, 13:1-2, Letter do the Trallians, 2:1-3, 3:1-2, 7:2, Letter do the Philadelphians, 7:1-2, Letter to the Smyrnaeans, 8:1-2 — a última, também, é a primeira referência à "Igreja Católica"). São Clemente de Roma refere-se ao “Sumo Padre” e aos “padres” dos cristãos por volta de 96 (1 Clement, 40). Outro preeminente testemunho primitivo inclui Santo Hipólito (Tradição Apostólica, 9) e São Clemente de Alexandria (Stromateis, 6:13:107:2), ambos no início do terceiro século.

Mesmo João Calvino, contrariamente a muitos dos seus seguidores mais recentes, ensinou que a Igreja era visível e uma "Mãe" (Institutas da Religião Cristã, IV,1,1;IV,1,4;IV,1,13-14), que despreza o erro do sectarismo e do cisma (IV,1,5;IV,1,10-15), e que a Igreja inclui pecadores e hipócritas (IV,1,7;IV,1,13-15 — ele cita Mateus 13.24-30,47-58). Sua diferença com os católicos aqui é que ele define a Igreja visível como sua própria igreja reformada.

[Tradução: Fábio Salgado de Carvalho; original: